quinta-feira, março 27, 2008

O Estojo (4)

Foi já depois do Conservador ter ameaçado Deolinda pela segunda vez que se ia embora, e dos pais do noivo conjecturarem sobre um possível rapto e pedido de resgate – “vê-se tanto, hoje em dia, com esta malandragem toda à solta”, disse a mãe dele à comadre – que Joaquim, finalmente, encontrou os avós. Estavam sentados na última fila da sala Turquesa, a assistir a um casamento de imigrantes angolanos.


– Avô, avó… venham – sussurrou Joaquim, de cócoras, junto a eles.
– Ah, estás aí – gritou o avô.
– Venham.
– Já estás despachado? – por esta altura, perante os gritos do avô que, surdo, só falava aos berros, a Conservadora tinha interrompido a cerimónia e todos os convidados, mais os noivos, estavam virados para trás.
– Vai começar agora, venham… – Joaquim ia puxando o avô pelo braço.
– Nunca mais te vimos.
– Vocês não estavam onde eu os deixei.

– O teu avô teve que ir mijar, sabes como ele é. Depois já só havia lugar aqui – disse a avó, também aos gritos.

Sem conseguir mexer o pescoço e a cabeça, com um sorriso de orelha a orelha, Joaquim fez uma vénia à audiência, na esperança que percebessem tratar-se de um pedido de desculpas.


– Esta malta também se casa, afinal – berrou o avô. – Não tarda nada, estão cheios de filhos.
– Se não tiverem já meia dúzia deles – concordou a avó.

O casal de idosos foi projectado para fora da sala com um empurrão e Joaquim fez outra vénia aos aturdidos espectadores. Quis dizer algo, mas não conseguiu articular uma palavra.

(continua)


boomp3.com

14 comentários:

un dress disse...

des.

.articular

~pi disse...

... e não é fácil aguentar tanta emoção... :)

JPD disse...

Estou a acompanhar este relato com atenção para ver como irá ser tratado o 1º conflito conjugal -- Esta não é uma dica para qualquer edição. Trata-se apenas de ver o tratamento de situações de precaridade emconal: gente feliz não tem história)

Um abraço

ROSASIVENTOS disse...

porque nos lançamos no fogo errado?
porque assobiamos músicas impossíveis?

Lyra disse...

Imaginação, cor e muita "saúde mental!...também! Tanto aqui, como no meu cantinho.
Muito obrigada e fico à espera do
5º. estojo!

;O)

Azul disse...

POis, pudera! A hora dele aproximava-se!!! Que rica sequência Rui, que rico sentido o seu, de observação e perspicácia para as coisas mais comuns e suculentas da vida! Ando a gostar francamente de vir aqui. Grata pela visita. Um abraço. Até breve. Azul.

vieira calado disse...

Um abraço. Bom fim de semana.
Sempre são dois dias... em vez de um!
Tal como os equinócios!...
Um abraço

Maria Laura disse...

Bem, juro que li os 4 estojos e sem nenhum sacrifício. Já o mesmo não se pode dizer do Joaquim. O que um homem sofre para casar!! :)

Vanda disse...

E pergunto-me...de onde vem o estojo do título?

Bela crónica de um casamento!


Venha o proximo episódio :)

Beijinhos

Anónimo disse...

Gosto da tua escrita. Voltarei com mais tempo para te ler.
Bj

lélé disse...

E está certo, ora bolas! Se os senhores tinham ido ali para assistir a um casamento, tanto fazia ser aquele como outro qualquer! O Joaquim foi um corte do caraças!...

Alberto Oliveira disse...

... ainda hei-de tentar encontrar o sentido absurdo das palavras que se dizem nestas ocasiões "Ó Jaquim! isto não é exactamente uma prenda de casamento, que tu sabes que os negócios não me andam a correr nada bem. É mais uma lembrança deste teu amigo (noto que o Jaquim enruga a testa e olha-me para as mãos, como que a tentar adivinhar o que é que eu lhe vou dar... ) que te deseja as maiores felicidades".
Passo-lhe o estojo nº 5 -convenientemente embrulhado em papel de fantasia, para as mãos, abraço-o e não o deixo agradecer "... e diz-me cá uma coisa: sempre há leitão p´rá comezaina?!"

segurademim disse...

... tal como eu esperava!!!

os velhotes tão sempre no desenrasca

Gi disse...

casar custa mas dizem que descasar ainda é mais difícil :)

e lá vou eu

"mais uma volta mais uma corrida"