terça-feira, junho 27, 2006

O Blog e os Motores de Busca

Não ando aqui para enganar ninguém! Quem me lê há algum tempo sabe disso. Mas, confesso, algumas pessoas que aqui vêm têm-se sentido enganadas. A culpa não é minha, juro.
É dos motores de busca.
Como devem calcular, são feitas por dia milhões de buscas nos referidos motores – mesmo em português – e algumas dessas buscas acabam por vir ter a este blog. Infelizmente para quem as faz, uma vez que aqui não há respostas, apenas perguntas. Muitas.
Ainda ninguém protestou mas, estou certo disso, já houve pessoas a sentirem-se frustradas quando, usando o link, aqui chegam para apenas constatar o que isto é.

Tendo o nome que tem, muitas dessas pessoas que cá vêm ao engano, procuram os malefícios das mais diversas coisas: tatuagens, maquilhagem, , água (!), doces, cerveja (tem?), ganja (não acredito que tenha), da pratica de exercício e, por estranho que pareça, do reino animal.
A felicidade também cá traz algumas pessoas, mas menos… pudera: tentou novamente porta felicidade, felicidade como estado espírito de 1990 a…, felicidade mini orgia, papel parede felicidade (ou papel parede do dia das mães, já agora), sucesso felicidade, são só alguns exemplos. Pergunto eu: o que será uma mini orgia? Para gente pequena? Se alguém tiver uma ideia…
Mas há outras buscas mais ou menos estranhas (quem sou eu para as classificar), que aqui desaguam. Alguns exemplos: “mãos nos testículos” (com esta grafia e, já agora, o que procurará quem faz uma busca destas, uma maneira revolucionária de sentir os dito cujos?, de os coçar? Também não sei se quero saber); síndrome da criança desajeitada (apesar de o link para o blog apenas aparecer na página 10 do google), chave lavatório (mais uma vez, o que procurará a pessoa?), se você conduzir autocarro (pode usar o claxson e assustar muita gente?), bar porcarias Bragança (gostava de poder ajudar esta pessoa, mas não conheço nenhum bar destes em Bragança), bebida mais alcoólica (busca meritória mas que neste blog não tem resposta – para mim cerveja é mais do que suficiente), como tirar curso instrutor spinning (não tenho pedalada para tanto), sites com jogos de inventar super-herois para crianças (as preocupações de certas pessoas), típica mulher holandesa (como se eu soubesse…), nudismo Ílhavo (pelos vistos existe, tenho que averiguar), fisioterapia em traumatismo craniano (sic), Zé Malhoa (esse grande maluco… se procurar Ana Malhoa também cá vem ter), mensagem de aniversário de namoro esquecido (está tramado este), montagem de baloiço (recomendo Ikea), prostituição Amesterdão (vê-se muita, mas isso não faz de uma pessoa um especialista…), como lidar com um hipertenso (sou mau exemplo, a não ser que se queira ficar a saber o que não fazer) e desmaiar frente ao altar (seria algum noivo com receio de lhe acontecer).

Também a nível culinário este blog engana algumas pessoas, senão veja-se os seguintes exemplos: natas do céu, feijoada de lingueirão, fritar congelados e como retirar nódoa óleo fritar. Mais uma vez, pedimos desculpa pelo tempo perdido.
Em termos de decoração os enganos mais frequentes têm a ver com candeeiro ventoinha suspensa, decorar quarto rectangular comprido e estante suspensa do tecto (tudo coisas que eu desconheço, para mim é ciência oculta).

Aproveito a oportunidade para pedir desculpa ao Dr. Alberto Calvo, por lhe desviar alguma clientela, mas juro que é sem intenção. E de dizer a quem recorreu a este blog através do Altavista para saber como se dá um beijo, que tem que ser mais especifico (no rosto? com língua? Homem em Mulher? Homem em Homem? Mulher em Mulher? Beijo de amizade ou outro?... não é que perceba do assunto mas, quem sabe, não me ocorra alguma sugestão interessante; para inventar estou cá eu).

Geograficamente, fora de Portugal, é no Brasil que mais gente este blog tem enganado, mas também na restante América do Sul (e Central) – na que fala castelhano, portanto – umas quantas pessoas têm vindo ao engano, especialmente quem quer saber mais sobre taxismos, que parece ser algo importante para aquelas bandas.
No Brasil, parece haver grande interesse por bijus, seja biju de felto, cor principal de bijou para verão 2006 ou como ser vendedor ambulante de bijou (!!), o que me parece ser uma profissão com muito que se lhe diga.

E é assim, sem querer, lá ando a desencaminhar algumas pessoas. É sem intenção, repito.

* * *

Este post é para ganhar tempo. Ando a fugir um pouco às minhas estórias mas, os acontecimentos mais recentes, têm-me retirado algo de que preciso para juntar as ideias (e sim, eu sei que posso demorar o tempo que for preciso e tal. É isso que estou a fazer).

terça-feira, junho 20, 2006

Uma Luz Que Se Apaga

Centro Comercial Amoreiras. Ao almoço, fala-se de como andamos cansados, das pequenas rotinas da vida, das intrigas parvas do escritório. No final, temos o estômago cheio mas não percebemos o vazio.
Procura-se o elevador que nos trouxe até ali, mas perdemo-nos no labirinto de corredores. Dizemos mal do arquitecto que riscou tal coisa, sem querer saber que, o mais certo, o defeito é nosso, que não nos sabemos orientar em centros comerciais.
Encontra-se o elevador e amaldiçoam-se as pessoas que não têm mais nada que fazer que é andar em centros comerciais aquela hora e que fazem com que o elevador demore a chegar… não dando importância ao facto de, também nós, lá estarmos aquela hora.
Descemos ao piso -2 e procura-se a maquina onde pagar o estacionamento. Nada, será possível? Puxa-se pela memória e chega-se à conclusão que nas Amoreiras, as máquinas estão no centro comercial propriamente dito e não no estacionamento.
Sentimo-nos ferver e dizemos a quem nos queira ouvir que somos as pessoas mais azaradas do mundo, que não merecemos nada daquilo.
Volta-se atrás mas, da máquina, nem sinal. Oh vida desgraçada… Interjeições não reproduzíveis são gritadas em silêncio.

- Suba as escadas, à porta do cinema há umas máquinas.

Já estamos no piso 2, quatro pisos distante da viatura! Finalmente, a máquina. Moedas não temos e a nota que temos não parece estar em condições de ser aceite. Entre dentes, mandamos tudo e todos para os piores sítios que conseguimos imaginar. Já não somos os mais azarados do mundo, somos sim, do universo.
Pago o estacionamento, faz-se o caminho de volta. À porta do banco milenar, toca o telemóvel. É o Luís.

- Tudo bem, pá?
- Más noticias…
- Então?
- A Sandra, morreu.

Silêncio, falham-nos as palavras.

- Mas ainda há três semanas falei com ela, parecia bem…
- Piorou nos últimos tempos, o cancro tomou conta dela e não lhe deu hipótese.
- Como é que eu não percebi?!
- Não percebemos.
- Tão nova, 35 anos… Nem sei o que te diga.
- Não digas nada. Telefonei-te não para te estragar a tarde mas para te dizer para aproveitares o resto do dia… de todos os dias. Valemos pouco.
- Somos muito frágeis.

Chegamos ao estacionamento, de um momento para o outro, sinto aquele espaço convergir para mim, apertando-me por dentro. Todas as queixas, todos os lamentos de há uns minutos, amolgam-me o coração. Sinto vergonha.

quarta-feira, junho 14, 2006

Uma Vida Demorada (15)

Gosto de ver Lisboa. Não apenas olhar para ela, mas vê-la! Talvez seja essa a razão porque a fotografo tanto, é que o que a câmera retém é diferente daquilo que os olhos vêem. Há na fotografia, no momento perpetuado, sempre algo de novo à espera de ser descoberto, basta saber encontrá-lo. Foi a sempre presente tentativa de descobrir esse ângulo diferente para as coisas, especialmente as do dia-a-dia, as mais evidentes, que me levou a ser fotografo.
Gosto, especialmente, de ver Lisboa a partir dos seus miradouros, a cidade estendida do cimo da colina até ao rio. Tento percebê-la através da lente, encontrar uma lógica naquilo que nos surge, à partida, como uma paisagem caótica, um labirinto impossível de decifrar.
Terá sido essa a razão pela qual, na primeira vez que saí com Leonor, a tivesse levado a Santa Catarina, conseguindo surpreendê-la.

Foi também lá que combinei encontrar-me com ela, desta vez. Telefonei-lhe, inseguro da sua reacção. Não a deixei falar até lhe ter dito que tinha encontrado a minha mãe e que precisava falar com ela, explicar-lhe algumas coisas. Ela pouco falou, limitando-se a aceder a um encontro ao final do dia seguinte, uma sexta-feira, e a perguntar como eu estava, o que me pareceu, na altura, um bom indicio.
Tirei a tarde de sexta para mim, queria ir cedo para o Chiado. Deixaria o carro em Telheiras e iria de Metro, queria aproveitar o caminho até Santa Catarina para fazer umas fotos, especialmente no Elevador da Bica. Imaginava um portfolio com os Elevadores de Lisboa. Falhadas que tinham sido as fotos no Lavra, não iria falhar o da Bica. E depois, tinha esperança que as fotografias me ajudassem a descobrir as palavras certas que eu precisava dizer a Leonor. Não podia voltar a falhar com ela, e as palavras nunca tinham sido o meu forte. Antes pelo contrário.

Não acredito no destino, não consigo conceber que está escrito, algures, como vai ser. Quero acreditar que essas páginas escrevemo-las nós, ao ritmo de cada batida do coração. Mas, por vezes, não tenho a certeza que seja só azar.
Na plataforma da estação de Metro de Telheiras, procedia-se à substituição de algumas lâmpadas dos placares que anunciam, entre outras coisas, a aproximação dos comboios. Todo aquele aparato feito de placares esventrados e de pequenas lâmpadas interessou-me e decidi tirar algumas fotos. Em má hora o fiz. O Segurança da estação vê-me e manda-me parar, que não posso fotografar na estação, que tenho que lhe entregar o rolo.

- Mas são fotos digitais, não há rolo.
- Ah, isso não me interessa, não pode fotografar aqui, vai ter que me dar as fotos.
- Eu mostro-lhe as fotos, vai ver que nem se percebe sequer o local…

Passaram quatro comboios enquanto discutia com o rapaz que, por fim, me deixou seguir.
Na estação Roma, uma paragem anormalmente longa. Alguma impaciência e nervosismo começam a instalar-se. Sinto um gosto amargo na boca. Ao fim de uns minutos, saída da instalação sonora da carruagem, uma voz metálica dá as más noticias: em virtude das obras no acesso norte da estação, parte de uma cofragem caiu à passagem do último comboio e está a obstruir a via; a circulação na linha verde estava suspensa.
Antevejo o pior e corro para a superfície. A Avenida de Roma parece um circo romano dos tempos modernos: reina o caos no trânsito e várias pessoas atropelam-se, tentando conseguir um transporte alternativo - afinal, é já hora de ponta e logo de uma sexta-feira. Desafiando a má sorte, consigo um táxi rapidamente.

- Chiado, depressa… por favor! - O taxista ri-se.
- É nestas alturas que o taxista até é um gajo porreiro, verdade? - Atira-me ele. – Amigo, a esta hora, com este trânsito… que trajecto prefere?
- Não sei, o mais rápido…

Fez o melhor que pôde, mas podia pouco. Praça de Londres, Avenida do México, Calçada de Arroios – opção arriscada, fugindo ao mais que previsível congestionamento da Avenida da República -, Rua dos Anjos, Rua da Palma, Martim Moniz, Praça da Figueira.
Entre semáforos e filas de automóveis, o tempo escoa-se. À hora combinada, entramos na Rua dos Fanqueiros. Ligo para Leonor, nada, tem o telemóvel desligado. Mais uma paragem. Sem ar condicionado, entre dois autocarros da Carris, o ar dentro do carro torna-se quase irrespirável. Passam vários minutos e não nos mexemos.

- Oh meu, que se passa, pá? – Fora do carro, o taxista tenta perceber o que se passa. A resposta não podia ser pior: - Você está com azar, amigo. Um Eléctrico está parado ao fundo da rua, não consegue passar, um caramelo qualquer estacionou em cima da linha.
- Saio aqui!
- Mas ainda é longe.
- Arrisco. – Atirei uma nota de 10€ para o banco da frente, meti a mochila às costas e desatei a correr pela Rua da Vitória.

No cruzamento com a Rua Augusta, uma rapariga de bloco na mão, faz-me sinal para parar.

- O senhor trabalha dentro ou fora de Lisb… ei, tenha lá cuidado…

Sou obrigado a fintar dezenas de pessoas que seguem em todas as direcções. Corri poucas centenas de metros mas sinto o baço quase a rebentar. Agarrado ao corrimão, subo as escadas para a Rua Nova do Almada, as forças começam a faltar-me, já mal sinto as pernas. Vários anos de imobilismo, fazem-se sentir com um efeito devastador. Ao cimo da Rua Garrett, desisto, não consigo dar mais um passo. Encosto-me ao Pessoa, sinto o coração parar.
Desesperado, concentrei-me nos rostos de quem passava, de quem estava sentado nas esplanadas, como que esperando ver Leonor passar, depois de ter desistido de esperar. Naquele momento, senti algo que nunca tinha sentido antes: medo de a perder. E esse medo tomou conta de mim, só que, desta vez, ajudando-me a focar a atenção, as energias que restavam. Mais do que nunca, tive a certeza daquilo que eu queria. Aquele encontro era mais importante que qualquer busca. Leonor era a pessoa que eu mais precisava voltar a encontrar.
Soube exactamente o que precisava fazer e o que lhe iria dizer.
Ergui-me. A Leonor que eu conheço não é mulher de desistir, sei-o bem. Não, ela ainda lá está à minha espera.

Quase sou atropelado a atravessar para a Praça Luís de Camões e, na Rua do Loreto, choco com uma turista, que quase faço cair. Deixo um excuse me e continuo a correr. Suo por todos os poros.
Passo pelo Elevador da Bica e nem olho para ele, ainda não é desta… talvez começando pelo da Glória. Dobro a esquina da Rua Marechal Saldanha, estou a chegar.

Diz a lenda que a expressão “ficar a ver navios”, teve origem neste local. Que, aquando das invasões francesas, em 1807, Junot chegou Santa Catarina ainda a tempo de ver a frota em que o príncipe regente D. João e a corte portuguesa embarcaram para o Brasil, sair a barra do Tejo, ficando a ver os navios.
Eu cheguei a Santa Catarina e não vi nada. Não vi os Cacilheiros a riscar o Tejo; não vi as chaminés que se erguem ao longe, no Barreiro; não vi o castelo de Palmela; não vi a grua em Cacilhas indicando onde foi outrora a Lisnave; não vi o Mar da Palha; não vi os telhados em vermelho esbatido, estendendo-se até ao rio; não vi o Adamastor, de cabelo soprado por uma brisa imaginada; não vi as pessoas sentadas na esplanada, apreciando a paisagem; não vi o Cristo-Rei a abraçar o lado de cá; não vi a Ponte, cordão umbilical que liga os dois lados do rio; não vi a luz difusa do final de tarde, nem as sombras que se alongam vagarosamente, anunciando o fim de mais um dia de verão. Não vi nada disto, mas sei que estava tudo lá.
Vi a Leonor, de perfil, sentada num dos bancos de jardim. Usava um lenço na cabeça e óculos escuros. Lia um livro.
Não me viu ela até me sentar a seu lado, ofegante e sem forças.

- Demorei muito…

Ela retirou os óculos, pegou-me na mão direita e colocou-a no seu ventre, a sua mão por cima da minha, apertando-a ligeiramente. Olhou-me profundamente durante algum tempo e sorriu o mais lindo sorriso.

- Demoraste o tempo que foi preciso.

Fim

quarta-feira, junho 07, 2006

Uma Vida Demorada (14)

Recordando tudo o que aconteceu desde que ouvi a reportagem da TSF, há uns meses atrás, não consigo evitar um sorriso. Não é exactamente um sorriso de alegria, é mais uma reacção não controlada, uma manifestação exterior que acompanha a recordação de tudo o que aconteceu. E nem tudo foi bom. Não podia ter sido.
Parti à procura de algo sobre a minha mãe mas, na verdade, havia era muito a descobrir sobre mim, nisso a Leonor teve razão desde o primeiro minuto. Hoje, sei muitas coisas sobre ela, mas sei, sobretudo, mais sobre mim. Desde logo, que há ainda algumas facetas a descobrir e outras para perceber melhor; que tenho também de aprender a lidar comigo mesmo, para depois saber lidar com os outros.

Naquela noite, tentei por tudo agarrar-me à restea de consciência que senti ainda possuir. Recordo a urgência de perceber se tudo aquilo não era mais do que um delírio fruto da minha ébria imaginação ou, se pelo contrário, ela estava ali mesmo à minha frente.
Em vão, a principio. Sentia a mão dela pousada no meu braço, ouvi-a falar – embora não percebendo o que dizia – mas, naquele momento, sonhava o mesmo sonho de sempre, desta vez, acordado. Percebi, então, o que era aquela sombra que vinha da superfície: uma grossa corda que serpenteava na minha direcção.
Estiquei o braço para a agarrar, toquei-lhe mas deixei-a escapar. A cada nova tentativa, novo falhanço. Cada vez que a corda se aproximava e eu me convencia que seria desta vez que a conseguiria agarrar, a mão que me levava para baixo puxava-me. Comecei a ser tomado por algum pânico, afogava-me.
Num derradeiro esforço, reuni todas as minhas forças e impulsionei-me para cima. Consegui agarrar-me. Senti imediatamente que subia. A superfície aproximava-se.

- João, estás bem?
- Agora estou…

Parti à procura de algo sobre a minha mãe mas, quando já tinha desistido, foi ela que me encontrou.
Percorri um caminho que não levou a lado nenhum. Desesperei com isso mas, percebo-o agora, foi o trilho que deixei na minha busca que a conduziu até mim.
O que aconteceu explica-se facilmente: de facto, ela tinha sido mesmo membro do Partido Comunista mas, descrente com o rumo dos acontecimentos, entregou o cartão de militante em meados dos anos 90, mantendo, no entanto, contacto com várias pessoas. Uma dessas pessoas – uma amizade que supera as convicções politicas -, é Maria dos Prazeres, a mulher do ramo de flores, com quem eu choquei quando me puseram fora da sede do partido. Inteirando-se do que se estava a passar, contou à minha mãe e ambas decidiram investigar tão estranho pedido.
Pouco sabiam mas, como eu tinha mencionado o Museu de Ílhavo*, começaram por aí. Conseguiram falar com Alberto Cosme e, a partir desse momento, a minha mãe sabia quem eu era.
O problema foi Alberto apenas ter o meu contacto telefónico e de mail, uma vez que eu estava sem telemóvel e nunca ter ido ver o correio electrónico nos últimos dias.
Contactos do partido permitiram, pelo meu nome, chegar ao jornal para o qual trabalho e, através deles, obter a minha morada.

O que aconteceu a ela, também se conta rapidamente: presa pela PIDE, separaram-na de mim. Esteve presa em Lisboa até ao dia 26 de Abril de 1974 e todas as buscas que fez no sentido de me recuperar, foram infrutíferas. Conjugando as duas histórias, percebemos o que se passou. O chefe da brigada que a prendeu - Júlio Lucas - entregou-me ao seu grande amigo e colega de partido, o meu pai adoptivo, que ele sabia ter grande desgosto por não conseguir ter filhos (conheci-o bastante bem, era visita frequente lá em casa e ambas as famílias chegaram a passar férias juntos. Fugiu para o Brasil, onde viria a falecer). Usando da sua influência, Júlio conseguiu alterar registos e apagar todos os vestígios que pudessem conduzir até mim.
Ainda em 74 a minha mãe foi à Fuzeta, anonimamente - uma vez que a incerteza quanto ao futuro era grande e podia haver vantagem em ser dada como morta -, mas sem conseguir saber algo sobre o meu paradeiro.

Entretanto refez a sua vida, casou de novo e tem um filho. Dirige uma Unidade de Inserção na Vida Activa, onde ajuda pessoas carenciadas a obter formação e a capacitação necessária para uma eficaz procura de emprego. Canta fado uma vez por semana, num restaurante em Alfama!

- Gostava que lá aparecesses.
- Irei com certeza. Mas antes há algo que preciso fazer. Há ainda uma pessoa que tenho que encontrar.

Ficámos toda a noite a conversar. A espaços, dava por mim a duvidar de tudo aquilo, seria mesmo verdade?
À despedida, deu-me um cartão onde escreveu a morada do Restaurante: Beco Armazéns Linho, 1 – Alfama. O nome do restaurante fez-me dar uma gargalhada, “Bacalhau de Molho”.

Nessa noite pouco dormi, mas sei que não sonhei.

* Era a referência ao Museu Marítimo de Ílhavo que tinha falhado no post anterior.

Este post está longe do que eu queria, saiu muito esquemático, uma coisa a despachar, mas os acontecimentos da última semana varreram a inspiração, aquilo que eu precisava para escrever o que tinha em mente. A história ainda não terminou.

Depois de uns primeiros dias agitados e nada descansados, a calma parece estar a instalar-se. Mãe e filhos estão bons.