O comando é dele. E não o larga. Nunca. Desde que lhe instalaram em casa um serviço de televisão com Gravador Digital de Vídeo que, mais do que a maneira como vê televisão, foi a sua vida que mudou.
Já não vê emissões em directo. Grava para poder passar à frente aquilo que não lhe interessa, tudo o que já sabe e já viu. Uma hora de noticiário tem agora dez minutos. Publicidade? Algo do passado. Um jogo de futebol deixou de ter intervalo, arremessos de linha lateral, jogadores a serem assistidos no relvado, passes lateralizados no meio campo defensivo; agora, tudo é futebol de ataque, embora continue, as mais das vezes, mal jogado. Noventa minutos de martírio condensados em trinta e cinco minutos de martírio!
Quando tem de ir à casa de banho, leva o comando. Se põe a mesa para o jantar, ao lado da faca, substituiu a colher da sopa pelo comando. Ao deitar, dá as boas noites à mulher e um beijo ao comando, que pernoita na mesa-de-cabeceira.
Ninguém pode tocar no comando sem autorização prévia – que apenas é dada depois de devidamente justificado o uso a dar-lhe. Sem que o confesse a quem quer que seja, foi para não lhe mexerem no comando que acedeu, ao fim de dez anos, a que se comprasse um segundo televisor lá para casa.
No outro dia, no cinema – filme da preferência da mulher –, deu por si com suores frios, um aperto no peito e uma comichão horrível nas pontas dos dedos das mãos. Não por causa das pipocas selvaticamente mastigadas à sua volta, mas por não ter como fazer o casal protagonista da fita deixar-se de lamechices e passar rapidamente à cama e depois ao genérico final. Lamentou as pessoas que não conseguem apreender enredos cinematográficos à velocidade de 2x… ou mesmo de 4x, arte que ele tem vindo a aperfeiçoar sem esforço de maior.
As reuniões de trabalho passa-as a sonhar com o comando, a imaginar colegas, directores e temas em fast forward. Com grande satisfação, descobriu na última reunião que se tiver na mão o comando do ar condicionado, lhe custa menos a passar o tempo – constiparam-se metade dos presentes com as mudanças de temperatura.
Esta manhã acordou eufórico. Tinha descoberto que podia fazer avançar os pesadelos e pausar os sonhos eróticos.
Passou a dormir com o comando debaixo da almofada.