terça-feira, agosto 30, 2005

Enquanto Estive Fora - A Norte

São aqueles dias porque ansiamos durante quase todo o ano. Feliz de quem pode ter férias e aproveitá-las para mudar de ares.
Se pudesse, não ia de férias em Agosto. É um bom mês para estar em Lisboa, apesar do calor. Há menos trânsito, há menos trabalho. Mas como não depende só de mim, este ano tirei a segunda quinzena para ir uns dias de férias.

No sábado, dia 13, fui ao Planetário. Depois de muito tempo fechado para renovação da sala e instalação de um novo projector, abriu recentemente. É um local a que gosto de regressar. Gosto de estrelas. É sempre uma hora bem passada. A ver estrelas durante o dia.
Claro que não se pode ir ao Planetário e não ir comer um pastel de nata, ou dois, ou…
Domingo foi dia de U2. Tive muita sorte em ter conseguido arranjar bilhetes mas não tive sorte nos lugares que me calharam. Fiquei em cima do palco mas muito de lado. Bom para ver os músicos, péssimo para ter uma ideia do efeito criado pelo “ecran” que dominava o palco.
O concerto foi bom. Audiência conquistada à partida, foi ver o Bono tomar conta da função como só ele sabe fazer.
Não foi só música, falou-se de pobreza, da necessidade de ajudar o próximo, do Hospital da Estefânia. Usou-se as insígnias de estado.
O Bono é esperto e sabe o poder que tem, lá o vai usando o melhor que sabe e pode. A mim, levou-me a mandar um sms para a Pobreza Zero. Fiz bem. No dia seguinte o rapaz mandou-me um sms de volta, a agradecer, e em português. Fiquei contente. Infelizmente, aselha como sou, pus-me a mostrar a mensagem a toda a gente e, claro, ao fim de pouco tempo carreguei logo na tecla errada e apaguei a dita cuja. Agora ninguém acredita em mim.
Quero aproveitar para agradecer à rapariga que estava sentada à minha frente. Aquilo é que foi queimar ervas aromáticas, ganja da boa. E agradeço também a Jah que pôs o vento a meu favor. Tornou o concerto bem mais interessante.

Na segunda-feira, dia 15, fui para norte, para uma aldeia entre Castro d’Aire e Vila Nova de Paiva.
No ano passado fiz a viagem em sentido contrário no mesmo dia. Ao passar por Viseu dei com uma etapa da Volta a Portugal em Bicicleta. A tortura que foi passar Viseu. Era uma cidade sitiada pelas duas rodas. Perdi mais tempo a deixar Viseu para trás que nos restantes 340 kms.
Este ano, inverte-se o sentido da viagem mas mantém-se a etapa da Volta à minha espera em Viseu.
Ainda com o martírio do ano passado bem presente, tratei de arranjar um percurso alternativo: nem pensar em entrar na cidade, no final do IP3 seguir para o IP5 e sair a norte da cidade. Assim pensei, assim não me deixaram fazer. Então não é que o acesso ao IP5 estava cortado e fui obrigado a meter mesmo para a cidade?
Já era transpiração e maldições a rodos quando me consegui escapar sem dano de maior. Mas não ganhei para o susto. Eu gosto muito da cidade, mas fala-se em Viseu e eu não consigo evitar um arrepio.
O dia 15 de Agosto deve ser o dia em Portugal em que mais aldeias, vilas e cidades celebram a sua festa anual. Assim é na minha aldeia de destino.
Gosto muito destas festas. Este ano perdi a noite mais importante à conta dos U2, ou seja, não vi os “Ferro & Fogo” – não vi também o fogo de artifício, mas mais ninguém viu; a GNR não deixou, quer dizer, deixou em todas as outras freguesias no concelho menos ali, o que muito aborreceu a organização das Festas.
Os F&F tocam versões de outras bandas, como a generalidade dos grupos musicais que vão às aldeias pequenas. Convencida de que estava a fazer uma boa acção, a comissão organizadora quis agradar a todos e os F&F eram para agradar à malta nova. É que eles tocam versões dos Metallica, Manowar, Marilyn Manson, Xutos, etc. Ora estava a malta mais entradota à espera do bailarico na noite de domingo e, afinal, sai-lhes barulho a metro.
Diz quem viu que a juventude gostou, mas que houve muita gente a lamentar a sua sorte. Tive pena de não os ver/ouvir, mas também tive pena de quem está um ano à espera desta altura para se divertir um bocado e tem de levar com “master, master… where’s the dreams that i’ve been after…”.
Não vi os F&F mas vi os FBI. Os FBI também tocam versões mais mais ao jeito da malta da aldeia. Os FBI não têm nome de banda musical mas têm um camião TIR. À tarde fui ao local da festa e lá estava o aparato todo. Vejo o camião com aquelas 3 letras e tive de perguntar o que faziam ali os americanos. “Que nada, é a banda de logo à noite”, descansaram-me.
Aquilo é que foi dançar (eu não que sou pé de chumbo e não quero nada com a bófia). A malta gostou. Devem ter tocado a “Garagem da Vizinha” umas 3 vezes. Houve também umas cantigas do Tony Carreira (de que a TVI transmitiu o concerto no pavilhão Atlântico por estes dias; tenho de reconhecer que o homem é bom no que faz, tem uma grande produção e a coisa funciona).
Por deficiente planeamento, o piso em frente ao palco estava a ser substituído. Dia de festa, obra a meio, pó por todo o lado. O pessoal não se importou, todos sorriam… um sorriso amarelo do pó, mas feliz.

Também esta zona não foi poupada aos incêndios. À volta da aldeia tudo está queimado. Houve casas em perigo e durante a semana em que lá estive os reacendimentos foram uma constante (criminosos muitos, que só aconteciam à noite). Triste ver tudo negro à nossa volta. Fiz por ir ver, tirar umas fotos, mas a quê?
Aproveitei estes dias a norte para ler e comer. Muito li e muito comi. Levei vários quilos de revistas que se estavam a acumular por falta de atenção e triturei-as no tempo de um fósforo.
Levei um livro que me andava a assustar pelo tamanho e dei-lhe luta. Foi pega de frente e saí da praça em ombros, com orelha e rabo (esta analogia tauromáquica tem a ver com o livro, cuja acção decorre em Sevilha e também fala de touros – a propósito, não sou adepto de touradas). Li-o e gostei.

Estamos a poucos meses de eleições autárquicas. É altura de mostrar serviço. O centro de Castro d’Aire é zona proibida, só lá entram licenciados em Engenharia Civil e serventes de pedreiro. Na terça, uma rotunda que era só terra batida, na quarta tinha relva viçosa e resplandecente. Abençoado poder autárquico que faz a relva crescer de um dia para o outro.

Muita pena tenho eu de ter acabado a Feira Popular em Lisboa. Ia lá raramente, mas suporto mal a ideia de ela já lá não estar. Era reconfortante saber que se eu quisesse lá ir, que podia. Era o bastante para lá não querer ir, mas agora que não há, sinto-lhe a falta.
Anseio por aquela decadência que lá se vivia, o cheiro a fartura; o grito do homem que chamava para irmos ver os filhos às voltas no Poço da Morte; a sardinha na montra do restaurante, a espreitar por entre o gelo moído, os olhos a denunciarem que era do dia anterior, quando não congelada; a vidente que nos via o futuro na palma da mão; a casa dos espelhos; o comboio fantasma, a Ana Malhoa, que foi o último grande momento de espectáculo que lá vi… a Ana Malhoa que era uma criança na altura e que agora tem tatuagens, e piercings e uma filha chamada Índia e que é filha do Zé Malhoa.
Isto tudo para dizer que fui à Feira de S. Mateus a Viseu (já sem Volta).
Poucas coisas me fizeram mexer nesta primeira semana de férias, a Feira de S. Mateus foi uma delas – fiquem sabendo que é a feira mais antiga de Portugal, remonta ao século XIV se não me engano.
Já tinha ido à feira de Coimbra, no Campo de Sta. Clara e foi bom rever os mesmos feirantes, estavam todos em Viseu.
Na Feira de S. Mateus (padroeiro dos contabilistas) vende-se de tudo, de TIR’s à cueca da moda, passando por mobílias, piscinas e livros evangélicos. Um verdadeiro mundo de coisas boas. Para desgosto meu tem poucos doces regionais e a fartura que me calhou era fina demais. Com tanta fartura por onde escolher, logo me foi calhar uma fininha e curta – sim, que o tamanho tem importância.
Lá estava o Matterhorn, que não sei o que significa mas que anda à volta muito depressa e provoca gritos histéricos a quem lá rodopia. O Invertér (com acento e tudo) que é uma coisa que sobe muito e inclina a malta quase de cabeça para baixo.
Junto a estas atracções junta-se sempre muita gente a ver os outros gritar, os que estão às voltas e de cabeça para baixo. Eu gosto de olhar para quem olha para os outros. Ficar ali a ouvir os seus comentários, ver as suas expressões, isto enquanto quem comanda as máquinas vai gritando para o microfone da atracção, “querem mais”?, “éeeeeeeee páaaaaaaaaa”.
Não acho que o que faz as pessoas ali ficarem a olhar para os outros andarem às voltas seja a secreta esperança de ver um acidente (como acontece com os acidentes rodoviários, que tanta curiosidade suscitam). Ver uma vomitadela, talvez, um borramento de calça, pois sim, mas só isso.
Ficam sempre fascinados a olhar. O brilho das luzes reflectido nas retinas. O sorriso inconsciente estampado nos rostos. Algum sofrimento partilhado com quem grita lá em cima. Os comentários que deixam escapar, “eu é que não era capaz”, “nem que me pagassem”, “olha aquele, a cara dele”, “ai Jesus”. E depois lá saem os corajosos, alguns cambaleantes, outros aturdidos, mas todos aparentemente felizes.
Nem o resto do ano corre bem sem uma ida à feira.

De volta à aldeia, mais incêndios ao longe. Uma noite com uma beleza estranha na quinta-feira: uma lua cheia magnifica, amarela, que domina o céu; e ao mesmo tempo o vermelho do fogo, que domina a terra. Uma noite para recordar.
Na sexta começou a Superliga. Aí vem a bola a entrar pelas vidas de quem isso permite a dentro. As saudades que eu não tinha.
Por coincidência (caso exista tal coisa), combinou-se para essa noite um jantar há alguns anos prometido: um jantar de benfiquistas no ano em que o Benfica fosse campeão. Está cumprida a promessa. Marcou-se novo jantar para a próxima conquista.
No sábado foi dia de regresso a Lisboa. O descanso tinha terminado. A próxima semana já seria muito diferente.
Na viagem, a paisagem foi sempre dominada pelo fumo. Tudo arde. Na A1 um atrelado incendeia-se pouco antes de passarmos. Depressa ficou completamente tomado. Impressionante como o fogo se espalhou em segundos.

Muda-se o conteúdo das malas. Joga o Benfica. Parece que o tal jantar vai demorar a acontecer.
Amanhã Algarve, mas isso fica para outro dia.



terça-feira, agosto 09, 2005

Férias

Após várias tentativas frustradas de um novo post, decidiu a gerência deste Blog dar férias ao pessoal.
Assim, vemo-nos de novo no inicio de Setembro. Obrigado pela paciência.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Taxismos - A Viagem

São muitas as maneiras de fazer sinal a um táxi para parar. As coisas com que nos acenam. Até com o pé já me fizeram sinal.
Desta vez foi com uma radiografia. Ia eu na lateral da Av. da República a chegar ao Campo Pequeno, quando vejo uma radiografia a acenar por entre os carros estacionados.
A princípio nem vi a mão que a segurava, pensei que lhe tinha dado o vento e que vinha na minha direcção.
Quando parei, vi que havia uma clínica mesmo em frente.
A radiografia estava na mão de uma senhora que tinha a outra mão dada a um rapaz. Ele não parecia ter muita vontade de entrar no carro.
Atrás de mim a fila aumentava e as buzinas impacientes começaram a fazer-se ouvir. Fiz sinal que ia parar mais à frente, na entrada de uma garagem e avancei.
Pude ver pelo espelho que a senhora da radiografia tentava convencer o rapaz a vir para o carro. Não era mãe dele, percebia-se isso. Parecia puxar por ele, mas jamais seria capaz de o mover. Ele devia ter 1,80m e pesar uns 100kgs. Arrastá-lo seria tarefa para 4 ou 5 homens. Aparentava ter 25 anos. Estava algo agitado.
Aos poucos, a senhora foi conseguindo trazê-lo até ao táxi. Saí para lhes abrir a porta.
- Já me contas, no carro. Não podemos fazer o senhor estar à espera.
- Se tivesse tempo…
Acabaram por entrar, fechei a porta. Era um dia muito quente e havia pouca gente na rua.
- É para a Rua Dr. Almeida Amaral, se faz favor – disse-me a senhora, soprando o cabelo que lhe caía pela testa.
Sou um bocado fala-barato com os clientes. Acho que não é defeito, é feitio, até porque percebo rapidamente quando os clientes não estão dispostos a aturar-me e sei quando devo calar-me.
Desta vez não abri a boca nem para tentar iniciar conversa. Nem sequer olhei pelo espelho. Não sei explicar porquê, mas senti que não devia falar.

- Se tivesse tempo contava-te uma história – disse o rapaz após vários minutos de silêncio. Contava-te a história da viagem que nunca fiz e que, ao mesmo tempo, já fiz vezes sem conta. Achas possível que eu esteja cansado de uma viagem que ainda não fiz?
- Vais desculpar-me mas não percebi nada.
- Tenho que decidir que viagem é essa. Ah, se eu tivesse tempo… tanta coisa que eu tinha para te contar, os sitos onde estive, as pessoas que conheci, as fotos que tirei. São todas a preto e branco, sabes?
- As fotos da viagem que ainda não fizeste!?
- Essas mesmo, tenho-as todas aqui, na cabeça, tu sabes…
- Na cabeça, sei sim. Mas conta mais – a voz dela saía arrastada, parecia cansada.
- Eu gostava, mas não tenho tempo, não tenho! Foi uma viagem e tanto, nisso tens de acreditar! Parece que foi há muito tempo e no entanto… sabes que parti apenas com uma pequena mochila?
- Uma mochila cheia de sonhos, aposto.
- De ilusões…
- Então e os sonhos?
- Os sonhos estavam à minha espera, no destino, no fim do arco-íris.
- Mas que poético. Não te sabia tão poético. E conseguiste lá chegar, ao fim do arco-íris?
- Mas eu ainda nem comecei a viagem e já queres que a termine?
- Está bem, pronto. Fala-me da mochila, o que leva ela?
- Não tenho tempo, já te disse. Quem sabe um dia te conto essa minha viagem. E olha que vale a pena, vi tanta coisa, tenho tantas fotos, a preto e branco. Prefiro a preto e branco, é mais triste. Esta é uma viagem triste. Tem de ser.
- Mas tem um arco-íris.
- O sonho, lembraste? É o sonho. É uma viagem com um sentido. Sem rumo, mas com um sentido.
- Se tu o dizes, eu acredito. Não entendo, mas acredito.
- Não queres é entender. Mas um dia ainda nos encontramos lá, e olha… não tenho tempo, não tenho! Se tivesse explicava-te como é que a minha viagem tem sentido.
- Estás a contar-me uma história sem sentido de uma viagem com sentido.
- Mas porque me chateias? Tenho uma viagem por fazer, muito para recordar.
Ao entrar na rua Dr. Almeida Amaral, a senhora mandou-me encostar.
- Não precisas ficar nervoso, eu percebi. Deixa-me só pagar ao senhor. Vamos já para o quarto, dou-te a medicação e deixo-te em paz com a tua viagem.
Fiz o troco e saíram os dois, de mão dada. Fiquei a vê-los entrar no Hospital Miguel Bombarda.
Ainda o ouvi dizer: - Um dia, quando tiver tempo, mostro-te as fotos da minha viagem. São todas a preto e branco, sabias? São mais tristes… um dia encontramo-nos lá.

terça-feira, agosto 02, 2005

Não Me Posso Esquecer

Há pouco, sem razão aparente, lembrei-me da minha amiga Teresa.
Lembro-me muita vez dela.
A Teresa faleceu em Janeiro de 1997, com 25 anos. Cancro.

Conhecemo-nos em 1989, calhámos na mesma turma e desde os primeiros dias que se criou uma amizade entre nós. E essa amizade foi resistindo ao passar dos anos. Se não nos víamos com frequência, pelo menos por telefone íamos mantendo a conversa em dia.
Tratávamo-nos por “mano” e “mana”. Ela era a irmã que não tive e eu era o irmão que ela não teve.

Ela foi a minha primeira grande amiga. Foi a primeira não só a olhar mas também a ver.
Era alguém com uma atitude muito positiva perante a vida, divertida, alegre, sempre com um sorriso. Perto dela não havia tristezas.
Mas há pouco, ao lembrar-me dela, interroguei-me se ela sabia o quanto eu era seu amigo.
Acho que todos gostamos que gostem de nós. Faz-nos sentir bem ouvir dizer “gosto de ti”, saber que as pessoas se lembram de nós, receber uma manifestação de amizade, de carinho.
Quando teria sido a última vez que disse à Teresa que gostava dela?
Não sei.
Ela escondeu a gravidade da doença e nos últimos tempos sei que não lhe disse.
Espero que ela o soubesse.

E quando foi a última vez que o disse às pessoas de quem gosto?
Temos a terrível tendência para nos preocupar com coisas que não são assim tão importantes, de nos esquecermos das coisas que realmente significam algo para nós.
Não me posso esquecer de dizer isso às pessoas de quem gosto. Para elas não é tarde.