sexta-feira, setembro 26, 2008

Três Pessoas Encontram-se

Foi já há algum tempo. Ia pela rua, a pensar no que quer que fosse, quando o vi. Já o conhecia de outros lugares, mas nunca o tinha visto ali e não o voltei a lá ver, depois. Achei logo que dava uma história – ou estória, nunca sei. Abrandei o passo, que não tinha pressa e penso melhor a caminhar devagar. Coisa rara, não demorei muito a encontrar uma ponta na meada das ideias súbitas. Talvez por isso, a minha primeira preocupação não foi puxar pelo fio, antes, foi decalcar indelevelmente a ideia no pensamento, para não a deixar escapar, que ando muito desalembrado das coisas e não tinha com o que escrever – apercebi-me, entretanto, que habitualmente até dou boleia a uma solução para este tipo de situações: dizer das pontas que se acham por aí, para o telemóvel, que as conserva. Agora, são tantas as pontas de fio que lá guardo, que já é ele mais um novelo que outra coisa.
Regressando à ideia. Tive-a, agarrei-me a ela como um naufrago se agarra a qualquer coisa que flutue e segui caminho, devagar, a tentar compor, logo ali, a trama, a desembaraçar o fio. Quando cheguei onde tinha de chegar, já ia com o que julgava ser o núcleo central da história alinhavado, era apenas uma questão de acrescentar uns “antes” e uns “depois”, e já tinha mais um texto para publicar – coisa pouca, mas uma coisa.
Satisfeito, arrumei-lhe com um segundo pastel. E a ideia cá ficou, no limbo das ideias, à minha espera.
Nem é por não pensar nela, mas falta sempre aquela coisa essencial a tudo, que é começar – tenho sempre desculpas prontas para dar a mim próprio. Até que…
No outro dia, estava eu a começar pela quarta – talvez a quinta, ou a sexta vez – um outro texto – uma coisa algo densa, pesada, comprida (para blogue) e não amadurecida – e nada me parecia bem, tudo eram dificuldades e falta de jeito. Larguei-o, uma vez mais, e logo me veio à ideia aquela ponta do novelo. “Vai ser desta”. Mudei de folha e pus-me a matutar no “antes”. Lá acabei por encontrar um caminho, e segui-o.
Com a intenção de o construir curto, deixei-me ir por ali a fora, descuidei-me e, quando olhei em redor, vi que tinha caminhado muito para, afinal, continuar ainda longe do lugar a que queria chegar. Pior do que isso, constatei – constrangido – que o fio que tinha estado a tecer, nada tinha a ver com o fio inicial: as pontas não se encontravam em parte alguma do percurso; apesar de partirem de uma mesma ideia, os dois textos eram duas realidades distintas.
Agora, tenho um personagem ao fundo de uma rua, sentado ao lado de livros espalhados no chão, e um outro, que desce essa rua, distante de tudo o que o rodeia, até algo acontecer. Dito assim, parece não haver problema, mas a verdade é que o texto acaba por não ser sobre quem está ou sobre quem passa.
Talvez seja sobre duas pessoas que se cruzam, sem que nada haja que os una, por um instante que seja – não é sempre assim?
Talvez não seja sobre nenhum deles. Talvez seja sobre quem os imaginou, ali, assim.


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