Braço erguido, punho cerrado, incredulidade que paralisa. Devo ter permanecido assim largo tempo, em torpor, como se a paisagem me estivesse a absorver aos poucos. Sentia-me cada vez mais parte dela.
O que significava realmente aquela frase? Devia interpretá-la literalmente ou havia algo mais, subentendido, escondido, como um enigma num romance de mistério? Agarrei-me à segunda hipótese por receio que fosse tão simples como estava escrito – e tudo o que isso significava.
Afastei-me dali. A terra tinha secado e parecia agora que não chovia há muito tempo, contrariando o que eu tinha visto ao ali chegar. A cada passo que dava, uma pequena nuvem de poeira erguia-se atrás de mim, caindo exactamente no mesmo lugar, cobrindo as minhas pegadas – anulando qualquer vestígio da minha presença. O calor era sufocante e à medida que caminhava parecia haver menos oxigénio disponível. Comecei a arfar e a ter dificuldade em avançar. Tinha também sono e a crescente sensação que algo me abandonava, lentamente. A angústia foi-se instalando à volta do coração, comprimindo-o, e alastrou-se rapidamente. Doía-me tudo quando, esgotado, me prostrei, de joelhos. A cabeça foi-me descaindo até ficar entre os braços, a tocar o asfalto – que já não era suave como uma pista de atletismo, mas rugoso e ressequido como tudo o resto.
Eu estava em pleno cruzamento, não longe da casa, e interrogava-me se valia ainda a pena o esforço de tomar uma outra direcção, procurar outro caminho, deixar a estrada, voltar para trás, avançar. Sair dali.
Uma lágrima surpreendeu-me. Apressei-me a limpá-la. Olhei em redor. Ninguém. Nada. Dei um murro no alcatrão. Ainda aquela maldita resta de esperança, quando era já evidente que ninguém ia aparecer. E era também evidente que, qualquer que fosse a direcção que eu tomasse, acabaria sempre ali, naquele cruzamento, naquela casa – que, percebia-o agora perfeitamente, para mim, não eram apenas o local de inicio de uma jornada, mas também o ponto de chegada.
No céu, o movimento perpétuo dos flocos de neve, mantinha-se. Seguiam em todas as direcções. Com várias formas. Talvez até a velocidades distintas – mas isso eu não conseguia perceber. Que ventos seriam aqueles, que permitiam tamanhas façanhas? Sorri o sorriso dos aliviados; de quem começa a perceber, quando um raio de sol rompeu a formação nebulosa e encheu a paisagem. O banco de pedra, o relvado, a sebe. Em todo o lado, havia agora uma quase total falta de cor. Tudo era em vários tons de branco.
Aguardei por algum movimento, mas nada aconteceu. Fui desnecessariamente cauteloso na aproximação à sebe, à minha frente. O corpo estava de bruços, o rosto quase totalmente tapado pelo braço direito. Era-me familiar. Junto à cabeça, percebiam-se os contornos de uma mancha, que se tinha espalhado, fazendo-a parecer desproporcionada. Um calafrio percorreu-me de alto abaixo, fazendo-me vacilar. Avancei sem o querer fazer: queria afastar-me daquele lugar, mas avançava.
Dirigi-me à lareira. Junto a ela estavam alguns troncos pequenos, cuidadosamente empilhados. Dei por mim a pensar que viriam de longe, que ali não se vislumbravam árvores. E depois ri.
Eram perfeitamente redondos e tinham sido cortados com um único e certeiro golpe, que não deixou qualquer marca nas extremidades, tão lisas estavam. A madeira era ainda verde, jovem. A casca de um tom mais escuro. Um único fósforo estava colocado na boca da lareira. Li novamente a inscrição: O Fumo Indicar-te-à o Caminho.