quarta-feira, março 16, 2011

Mergulhar


A maré pareceu-lhe inusitadamente alta. Ao se aproximar da extremidade da estacada, sentiu-se num bloco de partida de uma descomunal piscina. Fosse aquela outra água, outra estação do ano, não lhe teria custado mergulhar e nadar para longe. Surpreendida, sentiu até necessidade de mergulhar e, na impossibilidade de o fazer, de dizer isso a alguém, sem se importar com o que essa pessoa pensaria dela, de partilhar essa sua necessidade libertação... de… qual seria o termo mais correcto para definir que sentia? Fuga, talvez. Estas suas deambulações interrogativas foram interrompidas pelo sorriso de um senhor de boné que, a seu lado ao fundo da estacada, a olhava com curiosidade, como se estivesse a ler os seus pensamentos.

Um terror súbito apoderou-se dela: teria estado a falar alto? Ultimamente, tinha-se surpreendido por mais de uma vez a falar sozinha e isso, mais do que a irritar, entristecia-a, já que era algo que nunca suportara ver a sua mãe fazer. Se havia sinal inequívoco que alguém estava na fronteira da sanidade, era andar por aí a falar sozinho. Hesitou, antes de devolver o sorriso, receosa que isso fosse a brecha que fenderia a muralha de silêncio que, naquele momento, precisava à sua volta.

– Já viu como a maré está alta? Mais um bocadinho e ficamos com os pés de molho – disse o homem numa voz cansada, que lhe traia a idade avançada.

A rapariga devolveu já não um sorriso receoso, mas um sorriso resignado. Ele continuou a falar, olhando agora para longe:

– Como será fazer tão grande travessia? Já se imaginou a percorrer aquela imensidão? As coisas que se devem ver dali… Dava muito para que um dia fosse possível. Antevejo uma grande libertação e, ao mesmo tempo, um confronto que pode ser terrível, com nós próprios.

Naquele momento, ela não sabia se era a cabeça que lhe rodopiava, se era ela que rodopiava à volta da sua cabeça. Pensava em tudo ao mesmo tempo: insanidade, dar meia volta e afastar-se, responder – mas responder o quê? Acabou por falar:

– Mas, o senhor nunca atravessou a ponte?

O homem voltou-se, o desenho de um sorriso a formar-se no seu rosto. Também ele hesitava sobre o que dizer. Mentia ou, embaraçosamente, confessava que tinha estado a falar das nuvens? Uma coisa era certa, aquela coisa de pensar alto começava a preocupá-lo seriamente.