sexta-feira, março 24, 2006

O Olhar de Arminda (VII)

- Então patrão, que tal é ela? – Natalino sorria; tinha as bochechas vermelhas e erguidas. Certificava-se de que as mesas estavam correctamente postas para o jantar. A um canto, os empregados de sala e da cozinha, jantavam. – Aposto que lhe deu um gozo do caraças, hã?
- Sabes qual é a diferença entre quem tem sucesso e quem não o tem, meu imbecil?
- Uh…!?
- É que quem o tem, pensa antes de agir e quem o não tem, não pensa… depois há os outros, como tu, mas isso…
- Oh, não seja assim…
- Vou-me embora, tenho uns convites para fazer. Amanhã quero isto impecável.
- Mas espere lá, deu-lhe o tratamento de choque ou não deu? – Riu baixinho.
- Esta miúda é especial. – Disse, voltando-se para trás. – Há algo nela, não sei… tenho outros planos para ela…
- Mas você é sempre o primeiro… - Coçou os caracóis.
- Negócios, Natalino, negócios… - Colocou o chapéu de feltro e saiu. Natalino seguiu-o até à porta.
No estacionamento, iluminado à vez pelas luzes do edifício, apenas um carro. Encostado a ele, Albertino fumava num ambiente algo surreal: ele, o carro, o fumo que expelia e se elevava vagaroso no ar, estavam vermelhos, depois azuis, depois amarelos… Trocou um olhar e um aceno de cabeça com Natalino, antes de atirar o cigarro fora e abrir a porta ao patrão.
Eram gémeos idênticos. Não fora um não conseguir estar calado e o outro quase nunca falar, não havia como os distinguir.
A fisionomia parecia ser, aliás, a única coisa que tinham em comum. As funções de cada um na organização, demonstravam isso mesmo: enquanto Albertino resolvia problemas – dizia-se que já tinha morto seis homens -, Natalino era conhecido por os criar.

Arminda deixou correr a água do chuveiro durante quinze minutos antes de se molhar. Inclinou a cabeça para trás e deixou-se ficar, imóvel, a sentir a água tépida cair-lhe no rosto. Tinha sentido uma súbita urgência em se lavar, sentira-se imunda. Achou que, depois de um banho, conseguiria que tudo o que lhe tinha acontecido nas últimas horas fizesse sentido.
A conversa de há pouco tinha-a acalmado. O homem tinha sido simpático consigo, mostrou-se preocupado com o seu bem-estar. Explicou-lhe que ela estava ali para trabalhar e ganhar experiência, como tinha seu desejo ao sair de casa. Que as condições não eram as melhores, mas aquele negócio era assim; que em breve seriam diferentes. Eram precisos sacrifícios!
Sem saber explicar porquê, Arminda tinha-se sentido melhor. Talvez fosse a forma como ele falava, com uma voz doce, calma. Pareceu-lhe até que cantava quando lhe disse que aquelas roupas não eram para ela, de facto; que no dia seguinte lhe iria trazer um vestido novo, lindo. Os sapatos, bom, teriam de ser aqueles mesmo; que os usasse, logo se habituaria a eles.
Por último, a questão do nome. Precisava de outro, um que fosse estrangeiro, com charme, como o das senhoras das revistas, e ele até já tinha um para ela: Roxanne. É um nome de rainha.
Antes de sair, ainda lhe deixou papel de carta e caneta. Teria de escrever para casa – para a mãe não estar preocupada – a contar que estava no Porto e que tudo corria pelo melhor.
No duche, Arminda tomava consciência de que ficara sem saber o que era esperado de si.

Na manhã seguinte não foi Natalino que lhe trouxe o que comer. Uma mulher gorda e cheia de maquilhagem - que tentava, sem grande sucesso, esconder as rugas e uma pele estragada -, entrou-lhe no quarto, de cigarro ao canto da boca.

- Toca a levantar Armi… Roxanne. Temos muito que fazer… eh lá, és mesmo grande, filha… daqui a cinco minutos quero-te vestida.
- Mas… estas roupas… eu…
- Vão ter que servir, para já. Logo, já vestes outra coisa.
- Mas eu…

A mulher já tinha saído, fechando a porta com estrondo.

Teve que se segurar à parede para não cair. Em cima daqueles saltos, media 1,90m e balançava como uma espiga ao vento.

- Eu não sou capaz!
- És capaz, sim senhora. Anda, dá-me a mão.

A descer as escadas ia caindo quatro vezes. Apertou tanto a mão da mulher que a deixou roxa.

O bar tinha um balcão não muito comprido. Atrás dele, garrafas de vários tamanhos e formas, estavam expostas em prateleiras. O fundo era espelhado, multiplicando ilusoriamente as garrafas por dois.
Cercada por sofás, pequenas mesas e puff’s de várias cores, uma pista de dança erguia-se o tamanho de um degrau acima do chão. Era composta por grandes quadrados de um material transparente. Por cima, suspensa do tecto mesmo no centro da pista, uma grande bola de espelhos aguardava ordem para rodopiar sobre si, espalhando os raios de luz a si apontados em todas as direcções. Por agora, reflectia apenas o brilho esbatido do olhar de Arminda.

- É aqui que tudo começa, miúda. Não tem nada que…
- Como se chama, vossemecê? – Interrompeu Arminda.
A mulher soltou uma sonora gargalhada. – Tens razão, nem me apresentei. Todos me chamam de Madame Biju.

Cerca de uma hora depois, quando subiram, Arminda tinha um novo quarto, o numero treze.
O espaço era o mesmo, a casa de banho idêntica, mas a decoração era diferente: um papel de parede em azul claro, com uns relevos simples e um quadro, em que um anjo disparava um pequeno arco e flecha na direcção de uma rapariga, à beira de um rio. Só havia uma cama, era de casal; lá estava a ventoinha no tecto, o mesmo candeeiro, mas não havia cómoda, no seu lugar estavam duas cadeiras. De um dos lados da cama, uma mesa-de-cabeceira e, em cima dela, dois frascos: um anunciava ser Locion Corporal Belleza de Mujer, e o outro dizia ser, Wet
Non Staining Lubricant.
Em cima da cama, um vestido vermelho. De alças, tinha um decote profundo, uma cintura justa e terminava numa saia rodada. As costas ficavam expostas.

Madame Biju sentou-se com Arminda na cama e explicou-lhe com algum detalhe para que serviam aqueles frascos. Arminda protestou, disse várias vezes que não. Andou pelo quarto como um felino enjaulado e acabou sentada no chão, a chorar.
A mulher contou-lhe a história de uma rapariga que um dia, há muitos anos, se tinha visto na situação em que ela agora estava. Contou-lhe como ela tinha aprendido a viver com a situação, como se tinha conformado. Outra coisa não podia ter feito.
Arminda ouviu em silêncio. Sentia-se revoltada.
No final da história tinha-se convencido de duas coisas: que ali, naquele momento, era a parte mais fraca e que a sua história teria um final diferente.

27 comentários:

Anónimo disse...

Vai-te a eles e elas cachopa Arminda.
Continua Rui, continua...
Um abraço e BFS

Vanda disse...

esses ares da serra :)

Felizmente tens um autor que não te quer mal de todo :)

Beijokas

919 disse...

tou aqui a torcer pra que a Arminda não se conforme...

Martini_Lady disse...

Pronto... e eis que chega o final de mais um capítulo e segue-se a tortura da espera pelo próximo ;-)
Bjnhs e bom fds

Isa disse...

ah ganda arminda...

bem... rui... tu ve la essa cena do blogger que eu hoje andei em ansias a achar que a história continuava e eu so via uma págiina em branco, por amor de deus!!! bjs

Sofia disse...

Sim Rui, e eu torço por um final diferente para a Arminda.

Bjs e bom fim de semana-

segurademim disse...

... tal mãe, tal filha! duas infelizes! percursos difíceis de pessoas mal-amadas!

Nem consigo descortinar como vai a Arminda livrar-se disto...

beijo, bom fim-de-semana :)

hala_kazam disse...

a Amminda vai ter um final diferente com certeza...só tem que nao ficar a pensar no passado...certo?

:)

*beijos*

Paixão disse...

Xiiiiiiii
grandes textos! Agora não tenho tempo. Às vezes dá-me o masuquismo de trabalhar ao fsm... Passei para agradecer a visita, espreitar o teu blog, e deixar beijo de bom fsm.
Volto mais tarde para ler a história do olhar de arminda...

amigona avó e a neta princesa disse...

É uma história muito triste mas, a vida também o é... espero que a Arminda tenha um final diferente...

CS disse...

Olha, Rui, tu vais publicar isso, não vais? Tens de...!!!


Roxanne
You don't have to put on the red light
Those days are over
You don't have to sell your body to the night

Roxanne
You don't have to wear that dress tonight
Walk the streets for money
You don't care if it's wrong or if it's right

Bel disse...

O blog tem um nome curioso ... gostei.

A maioria dsa nossas escolhas são condicionadas, mas a última escolha e o final depende apenas de nós

lena disse...

em silêncio li e depois de ler VII, não queria ver a Arminda no caminho duro que um dia foi o mesmo de sua mãe,
devia sempre haver uma outra oportunidade,
tenho a certeza que Arminda vai conseguir ser diferente,
claro que depende de ti, mas custa tanto saber o quanto a vida é dura e infelizmente muito real o que escreves

beijinhos, estou a gostar de te acompanhar

lena

Avó do Miau disse...

Bom fim-de-semana Rui!
Beijinhos

Dani disse...

Esta rapariga vai longe!

alyia disse...

Já pensaste publicar um livro? (se calhar até ja tens publicado e eu rendo-me à minha ignorância)

Eva disse...

Publicar ou não eis a questão...

Rita Sousa disse...

boa semana

Mãe disse...

Não é disso que estamos todos à espera? De que a nossa história tenha um final diferente?

Rui disse...

Em relação ao livro: nunca publiquei; se gostava? claro que sim.
Já houve quem deixasse no comentário algo como vais publicar, não vais? A resposta é fácil: dependesse de mim, publicava já hoje.
O que eu posso fazer é tentar, logo se vê.
Se houver novidades, eu aviso - mas esperem sentados. :)

Obrigado a todos.

Anónimo disse...

Felicidades para esse teu projecto de publicar, Rui! Vai em frente!

Alberto Oliveira disse...

Agora é que a Arminda vai começar a saber como elas lhe mordem... Se eu pudesse entrar dentro da história avisava-a dos perigos que corre... mas sou um mero leitor...


Boa sorte para amanhã...

Fortunata Godinho disse...

Rui, já te deixei o mesmo comentártio otras vezes. Estou a tornar-me repetitiva, por isso hoje apoio-me nos comentártios dos outros: Idem aspas aspas.
Sem medo.

Meia Lua disse...

Escreves mesmo bem, de manera simples relatas o que acontece muito mais vezes do que imaginamos... é bom ler-te, bjinho

alyia disse...

Desculpa lá mas... eu detesto esperar e ainda por cima sentada, à laia de inactiva,portanto vê se começas a procurar a editora! :) O melhor que posso fazer é desejar boa sorte e prometer que compro a 1ª edição (ahh também posso prometer uma boa campanha de angariação de potencias compradores)

Eva disse...

Obrigado pelo comentário e pela visita Rui.
tenho andado um pouco arredada da escrita, mas vou lá bvoltar um dia destes.

Do teu já fiquei fã.

beijo

eva

Marta disse...

Vim só deixar um beijinho... *beijinhoo*