segunda-feira, março 13, 2006

O Olhar de Arminda (I)

Duas características físicas faziam Arminda Maria de Jesus sobressair: sempre foi a mais alta entre as crianças da sua idade - mais alta que qualquer dos rapazes - e também a única nas redondezas com olhos claros.
Com 13 anos era já a mais alta habitante de Espinhosela, a sua aldeia natal, cravada nos contrafortes da Serra de Montezinho. Aos 16, media 1,80m.

Sua mãe sempre atribuiu os desmandos de Arminda a tão inusitado tamanho. Ela sempre foi grande demais para a aldeia… é até grande demais para a Serra…
Na sua maneira simples de ver as coisas, a sua mãe tinha razão, Arminda sempre se sentiu muito maior que a Serra em que nasceu e cresceu.
O seu passatempo favorito, desde tenra idade, era subir ao sítio mais alto que conhecia e ali ficar, a olhar para terras de Espanha, a imaginar o seu futuro, longe dali. Voltava a casa com o horizonte gravado no olhos.

No início dos anos 70, Espinhosela, como a maioria das aldeias do interior, vivia em isolamento. As condições de vida eram pouco mais que miseráveis, o atraso enorme. As notícias chegavam tarde e o interesse por elas era pequeno. Arminda era quem mais queria saber coisas do que se passava “lá fora”.
Não lhe foi difícil conseguir que Laureano Costa, vendedor ambulante de retrosarias e todos os artigos para o lar, que visitava a aldeia quinzenalmente para vender a partir da traseira da sua camioneta, lhe trouxesse umas revistas do Porto.
Aprendeu muito nova a fazer uso dos seus atributos: corpo bem torneado; pernas a perder de vista; um sorriso inocente como só ela sabia fazer; olhos claros de uma cor indefinível, rodeados por umas longas pestanas que, ao piscar, deixavam o vendedor ambulante afogueado.
Enquanto as senhoras da aldeia se reuniam na traseira da camioneta Bedford, entretidas nas compras e em trocar dois dedos de má-língua com a mulher de Laureano, Arminda colocava-se no adro da igreja, de mão dadas no regaço, cabeça baixa, enquanto com o pé ia raspando na terra batida. Laureano não conseguia tirar os olhos dela, depressa arranjava uma desculpa e escapava-se para uns baldios atrás da igreja com as revistas debaixo da roupa, ao encontro da moça.

- Tens sorte, menina, desta vez trouxe-te a Flama e uma Paris-Match que uma cliente me deu.
- O que é isso?
- É uma revista do estrangeiro. Não se percebe nada, mas tem umas fotografias bonitas.
- Deixe ver…
- Primeiro quero o meu beijinho.

E lá Arminda fechava os olhos e sustinha a respiração, tentando evitar ao máximo o cheiro a suor e o bafo a vinho de Laureano, e lhe dava um beijo por cima da barba por fazer.

- Quando é que me deixas dar-te um abracinho?

Num movimento rápido, Arminda puxou pelas revistas e desatou a correr, limpando os lábios à manga da blusa.

- Arisca esta miúda, um dia perco a cabeça…

25 comentários:

Anónimo disse...

Já gosto da Arminda.

Anónimo disse...

"grande demais para a aldeia" - delicioso!

Não é fácil ser diferente de todos os outros, especialmente numa terra pequena, de curtas visões...

Gostei muito do texto (tem continuação, a história?)

Sofia disse...

Excelente inicio. Isto promete!
(tadinha da Arminda, nao lhe podias ter arranjado um vendedor jovem, bonito e a cheirar bem????)

Bjs

Anónimo disse...

Olá, gosto da forma viva e fluente como escreves.Nas palavras as imagens e pressupostos. Não é difícil ser mais um na Aldeia, subir e olhar do alto e ver chegar Arminda com horizontes gravados...Parabéns

Light disse...

gostei do blog,gostei da historia da Arminda que promete ser uma Grande mulher,docil mas sedutora.
Obrigada pela visita ao meu.
Vou passando.
Bj

Anónimo disse...

Arisca...pq é que essa palavra me é tão familiar?? Lololololo
Esta tua história faz me lembrar um livro de paulo coelho só espero que o desenlaçe não seja tão triste. Tá excelente...
Beijos e boa semana ;)

susana disse...

Vejo-me grega para comentar no teu blog!!Estava a ver que a caixa dos comentários nunca mais abria!!Este conto promete, estou a gostar!!Mas dar beijos a homens com hálito a bagaço e a cheirar mal dos sovacos, nem pensar.....eeheh

Sara MM disse...

mmmmm.... palpita-me que ela tb será grande demais para ir no "perder da cabeça" do homensito "bafento"...

... pelo menos assim espero! e aqui fica a cunha... para o II
:o)

BJs

lena disse...

Rui primeiro quero agradecer-te a tua ida à minha cabana, não conhecia este cantinho que me deliciou

gostei da tua forma de escrever, consegues envolver quem te está a ler

que força essa linda miúda, a Arminda, estou a gostar, virei acompanhar-te nesta tua "caminhada" e continuar a ler-te com o mesmo prazer q tive hoje

beijinhos para ti

lena

919 disse...

estou em "suspense"... de ti já percebi que se deve esperar o inesperado, portanto, li direitinho a parte I, aguardo a parte II, se for preciso, a III, a IV e por aí fora... mas não acredito que não me surpreenda!...

CS disse...

Arminda era o que se chama "uma matulona", não é?
Não sei por quê mas não lhe auguro bom futuro.

Dani disse...

Será a Arminda alguém que apenas usa o outro para ir mais além, ou não será isto apenas um grito de revolta de alguém que se sente estagnar num lugar sem futuro? A ver veremos...

Martini_Lady disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Martini_Lady disse...

Oi, obg pela resposta ao meu desafio e pela visita. Mais uma vez encantas com a tua escrita: será que isto promete asas para voar ou a queda de um anjo?
Fico expectante pela continuação :-)
Bjnhs

Margarida Atheling disse...

Um início de história delicioso! :)

Beijinhos!

isabel disse...

Vai ter continuação, não vai?

Ela era grande demais, ele era tarado demais, a mulher era distraida demais, a aldeia era pequena demais...
Aguardo com ansiedade pelo desenvolver da estória.

Tem um óptimo dia
Beijo, Clotilde

inBluesY disse...

a ler com muita calma, nas m/insonias, logo :) bjs

hala_kazam disse...

continuam a existir muitas Armindas por ái...
vamos ver o que acontece com esta...

*beijos*

Alberto Oliveira disse...

Arminda & Laureano; um duo que qualquer realizador de cinema ou director teatral não desdenharia. Ela a despontar para a vida, ele faminto do elixir da existência.
Se não aparece por aqui o terceiro elemento do triângulo amoroso, quer-me parecer que isto não vai acabar bem... Mas dou a palavra a quem decide do quotidiano dos intérpretes.

A Flama; vais recuperar "umas coisas" interessantes...

Anónimo disse...

... estes homens chatagistas e manhosos são lixados, Rui diz a Arminda pra lhe espetar uma trolitada... merece coisa melhor
;-)Bjs. Jaqui

Anónimo disse...

Rui acredita que não há mesmo melhor paliativo...e the first strik continua a ser muito deadly!!! Dá uma espreitadela no soumolhar...tenho lá umas fotos ;) Beijos

Paixão disse...

Obrigada pela visita:)

Arisca a miúda, hein? Já não ouvia isto há muito tempo... Ouvia muito, sim!:))))

Beijinhos

manhã disse...

Bom, a modos que a Arminda não gostava da barba por fazer do Laureano!

Vanda disse...

O mundo é das ousadas :)

A serra dos poetas;)

As revistas eram o passaporte da Arminda para o Mundo...

Laureano era o diabo em figura de gente, tão bem descrito pelo padre, aos domingos, na pequena igreja de Espinhosela

VaideretroSatanás!!!!! :)

alyia disse...

Pronto, fiquei quase meia hora a ler os textos em atraso :) mas valeu a pena :)