quinta-feira, março 02, 2006

O Baloiço (parte 4)

[…]

25 Outubro 1998

Filha,

Espero que não te zangues comigo, mas estou a viver em Lisboa. Isto é, arrendei um T1 na Damaia, que em Lisboa não conseguia arrendar nada com a pensão de invalidez. Espero, também, que não te zangues por ter descoberto a tua nova morada.

Não sei como aguentas esta vida aqui em baixo, é tudo caríssimo e uma confusão sem fim. Um horror! Vivo na esperança que mudes de ideias e voltes para Braga – não me desfiz da nossa casa, não seria capaz; um dia vai ser tua.
Fiquei muito contente quando conseguiste esse emprego na empresa que vai gerir os terrenos da Expo. Sempre soube que te ias safar bem, tu és muito inteligente.
Se bem que a arranjar namorados, nem por isso. Então agora é um oculinhos? Não o achas com ar demasiado intelectual para ti? Aposto que é daquele partido que apoia os maricas.

Eu estou bem. Vou indo. Habituar-me a esta mudança é que não está a ser fácil, mas eu aguento-me, quero estar perto de ti.

O teu pai

* * *

O toque do telemóvel assustou-a. Estava incrédula com as atitudes do pai. Aquele não era o homem que tinha conhecido. Mudar-se para Lisboa, incrível! Custava-lhe a crer.

- Mamã… o pai quer saber se ainda demoras.
- Vou demorar sim, Carolina. A mãe precisa tratar aqui de umas coisas. Passa o telefone ao papá.
- Diz.
- Tens que lhe dar o almoço e entretê-la, eu ainda vou demorar por aqui.
- Então passa-se algo…
- Conto-te depois.

* * *

[…]

Amadora, 2 Março 2001

Com que então vou ser avô. Estou radiante, nem calculas. E eu que achava que o oculinhos só disparava tiros de pólvora seca.
Ah valente!, está a revelar-se um tipo às direitas – ironia minha, que ele não engana ninguém. Olha lá, ele vai cortar aquelas barbas algum dia? Será promessa?
Tu cuida de ti, nada de esforços. Achas que vai ser rapaz? Era bom.
(…)

PS – O que eu digo do Alexandre é brincadeira, ele é bom moço e eu sei que gostas muito dele. Ele também gosta muito de ti, acredita.

[…]

Amadora, 5 Outubro 2003

Patrícia,

Até parece mentira, mas a Carolina já vai fazer 2 anos para a semana. Está cada vez mais parecida contigo.
No mês passado estive quase a meter-me com vocês, no Zoo, enquanto assistiam aos golfinhos. Custou-me imenso estar ali, sentado tão perto, e ao mesmo tempo… Mas promessas são promessas e eu não quero quebrar mais nenhuma. Um dia, vais perdoar-me e vamos poder recuperar o tempo perdido, sei disso.

Ando com uma dores de estômago que nem queiras saber. Tudo o que como me põe a barriga a arder. Nunca fui grande cozinheiro, mas que diabo, também não sou assim tão mau.
(…)

* * *

Procurou os lenços de papel na mala, mas encontrou apenas a embalagem de plástico vazia. As lágrimas dançavam-lhe no canto dos olhos, o nariz pingava.
Havia na parede um rolo de papel de cozinha, tirou uma folha, limpou os olhos e assoou-se.

De volta à mesa, pegou na terceira caixa de sapatos. Esta, ao contrário das outras duas, não estava cheia de envelopes.

13 comentários:

Sofia disse...

ohhhh Rui, é tudo tão triste.... até chorei com este ultimo post!

um beijo
(por favor faz com que acabe tudo em bem!)

Anónimo disse...

E os textos continuam a mexer comigo. A realidade não é parecida com a minha...não tenho a dimensão do que é viver afastada daqueles que amo. Mas intrepreto este teu texto de muitas formas e mexe em muitos sentidos. Faz me acreditar que aqueles que desaparecem das nossas vidas, os que partem para outro plano ou simplesmente as amizades que perdemos podem perdurar no tempo...e acompanhar-nos toda a vida. Beijo

Dani disse...

Bolas, tenho que fazer como com o 24 e tentar arranjar os DVD'S para saber logo o final! :)

Anónimo disse...

Não tenho comentado pois tenho estado à espera do final... Continuo à espera
=P
Sorrisos com beijos

Margarida Atheling disse...

É tão triste...

Mãe disse...

Lágrimas... Assusta-me pensar no que vem a seguir. Tenho vontade de falar com a Patrícia... Não sei se saberia dizer alguma coisa. Sei que tenho uma coisa para lhe dizer...

Sara MM disse...

...estava cheia de coisas boas...?!?!?!
Bjs

Anónimo disse...

Palavras sensiveis e tão cheias de ternura...Mais um texto excelente...Beijinhos :)

Anónimo disse...

A culpa disto tudo é do Adolfo

a_mais_fofa disse...

Olá Rui!
Mais uma vez os meus sinceros parabéns pelos textos tão lindos e... tão tristes... é que me pões com a lagrimazita no olhos..
*a_mais_fofa*

segurademim disse...

o teria a caixa?

:)

Meia Lua disse...

Porque será que ao ler este post sinto que me vou emocionar?

Alberto Oliveira disse...

... detesto ver mulheres a chorarem. Pior; com um pai desses, sempre a imiscuir-se na vida da jovem... É dose!