Rodou a maçaneta da porta com um esforço desnecessário. A expressão era a de quem realizava uma tarefa superior a si. De olhos cerrados, encostou o corpo à porta, a boca rasgando-lhe a face, as veias a sobressaírem-lhe no pescoço. Por baixo da fina camisa de noite, os músculos dos braços contraíram-se e aumentaram de volume quando puxou a madeira para si. A cada centímetro, parava, suspendia a respiração e punha-se à escuta. Demorou até conseguir conquistar o mínimo espaço necessário para passar. Não precisava de muito: era magra e, em bicos de pés, alongava-se de uma tal maneira que a tornava quase invisível.
Guiada pela ténue luz que a lua conseguia empurrar para dentro de casa através das frestas das janelas, desceu a escadaria e parou de novo. Olhou em redor, à escuta, apenas os segundos necessários para se assegurar que continuava sozinha. Tremia, ainda – não de frio, mas de antecipação.
Com passos largos e leves, dirigiu-se à grande e pesada porta da mansão, curvando-se o suficiente para conseguir espreitar pela fechadura. A princípio, nada viu: tudo era uma imensa e pesada mancha escura. Depois, como se um poderoso vento por ali tivesse passado, o futuro, ainda que estreito e apertado, apresentou-se diante de si. E ela sorriu com o dia de amanhã.
27 comentários:
Hehe, sou a primeira a deixar um comentário!!! A primeira! Iupi! Eh lá! Eh lá! É assim mesmo! Toma, Teresa! Lalalalalalala! Brigite Bardot, Bardot! Você disse que cachaça é água.........
Hum... sorry. Entusiasmei-me.
Muito bonito, Rui. Como sempre, de resto.
Sorri com o prazer de amanhã, poder recordar o dia vivido hoje.
que bom quando o amanhã nos oferece um sorriso...a tua escrita tem magia
beijos
Na ausência do caminho, a solidão abre portas a esperanças inesperadas! Você escreve muito bem, Rui. Muito bem. Gostei muito deste seu descer pelas escadas abaixo e reparar que amanhã é outro dia.
Um abraço para si. Até breve. Azul.
Diário de bordo:
Hoje, sexta-feira nove de Maio, a manhã acordou com nuvens mas à medida que o dia avança e o veleiro "Tianica" singra as águas da blogosfera, o sol vai-se descobrindo, o que alegra de algum modo a tripulação, que canta enquanto baldeia o convés.
O imediato, homem azedo por natureza e pessimista por vocação, veio receber as ordens e perguntou-me o que eu achava do dia de amanhã. Estranhei a pergunta e pedi-lhe que fosse mais claro. Explicitou então que "com as coisas a correrem tão bem, hoje, decerto que amanhã teríamos problemas de navegação... ". Antes de o mandar pôr a ferros, ainda lhe fui dizendo "Homem! você é a ave agoirenta desta embarcação! Jamais poderá olhar o futuro com um sorriso de esperança!"
................................
O comandante fechou o diário e dirigiu-se ao seu camarote. Não chegou a entrar: o enorme iceberg do costume, saindo dos estúdios do Lumiar, tinha-se colocado na rota do "Tianica"...
tão perfeita solidão...
tão quem me dera da
mancha
escura
vislumbrar
a manhã
~
Que imagem bonita! A coragem de sair do casulo, neste caso, do casarão, para ir ter com o futuro...
... teve uma ideia brilhante!! -vendo o casarão, compro um T1 (chega-se à porta mais depressa) em pleno bairro alto...
só podia sorrir
Sorriu ela e sorrio eu. :-)
Fantásticos estes dois últimos textos!
Abraço
P.
amanhã
sempre acenando tão
cedo tão
tarde ~
beijO
beijO
são mesmo dOis beijOs :)
Para variar, adorei este post e o anterior. Adoro a forma como escreves e nos levas de aventura em aventura.
Beijinhos e até breve.
;O)
Está muito bem escrito.
O futuro é um anseio muito grande.
Completamente de acordo.
(Apenas um detalhe: porquê esta opção «furtiva» de chegar à porta?)
e se o futuro não sorrise?
arriscado procurar o amanhã hoje
retira-se a magia, o efeito surpresa
pode-se até perder a esperança que o depois de amanhã seja melhor
em termos de qualidade literária , como bem sendo hábito, muito bom
agora vou ler o pássaro mais abaixo que ando atarsada na leitura
bom mas antes informo que te deixei um prémio no meu canto
o nome
Este Blog Provoca Sensações Alucinogénas
fica-te a matar :)
já sei que não dás sequ~encia mas não me ralo nada
beijinhos
Sim, por vezes o futuro faz-nos tremer... por vezes de antecipação, por vezes de medo... mas é lá que vivemos!...
JPD,
Talvez vontade de ser a primeira a chegar ao dia de amanhã. Ou talvez sozinha, por achar que há coisas que se fazem melhor, apenas connosco por companhia.
gi,
Verdade o que dizes sobre essa pressa com o que ainda não chegou. Mas há sempre razões que a própria razão desconhece. A personagem teria as suas. Vamos acreditar que sim.
;) uma esperança, um sorriso sobre o dia de amanhã ...
Qunado isto deixa existir o que nos espera ...
Gostei muito ;)
Bjs
Sónia
;) uma esperança, um sorriso sobre o dia de amanhã ...
Qunado isto deixa existir o que nos espera ...
Gostei muito ;)
Bjs
Sónia
Um registo de prosa poética que não te conhecia mas na qual me pareces bastante à vontade. Parabéns, Rui! Temos escritor.
Olá Rui. Venho agora aunciar-lhe um novo blog, aberto recentemente, no qual terei participação. Visite-nos por favor. Uma boa semana para si. Até breve. Azul.
www.bodega-bay.blogspot.com
Bom, quando o futo desponta arrancando um sorriso.
Abraços!
Gostei do seu texto.
E obrigado pela visita ao meu blog.
Um abraço
Ora...
apesar de estar magnífico o texto.
eu prefiro sorri-te com o sorriso do HOJE.
Beijo sorridente e não hesites com a maçaneta;)
...e então, a jovem mulher pássaro abriu as asas e soltou o primeiro voo...
CSD
Por vezes é assim... permitirmo-nos a abrir uma porta de um mundo fechadinho e algo escurecido, e olhar em frente para o potencial de tudo o que nos rodeia.
(eu trocava a mansão por um loft vista rio)
;)
*
tão inspirador... soube tão bem.
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