quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Meio Frango e Uma Missa

Terça-feira, 9 de Fevereiro, 18h30. Moscavide.
Um motivo forte, mas fastidioso de explicar, faz-me estar a quase 10 kms de casa, a fazer tempo dentro do carro, para ir comprar meio frango.
Dou por mim a pensar nisso mesmo, que me afastei de casa, em plena hora de ponta, para ir comprar meio frango de churrasco. Não bastando isso, ainda é cedo, tenho que esperar até depois das 19h00. (Repito: é um motivo forte que me ali faz estar e não um qualquer convencimento paranóico que em Moscavide é que o frango assado é bom).

Fui dar uma volta por essa bela localidade de fronteira. O regresso a casa domina a cena: a pé ou de carro, a pressa é o denominador comum; só quem tem que utilizar os transportes públicos tem um ar resignado, a esses, ter pressa não adianta de nada.
A Av. de Moscavide não é grande. Ainda me aventurei numa ou noutra perpendicular, mas nada havia que ver, em pouco tempo cheguei ao largo da Igreja. À porta, um grupo de senhoras conversava animadamente. Vi que as portas estavam abertas e aproximei-me.

Entra… estou à tua espera”. Assim mesmo. Recortadas em papel autocolante vermelho, 20 letras e 3 pontinhos colados em duas portas de vidro fosco, interpelavam-me. Não resisti ao convite e entrei.
Quer dizer, tentei. É que quando empurrei as ditas portas elas não se mexeram. Não é empurrar, é puxar, pensei eu, mas nada, nem para um lado nem para o outro.
Confesso que percebo pouco de igrejas. Não sendo crente, não sou frequentador e, naquele momento, bloqueei. Ali fiquei, ora empurrava, ora puxava e o cérebro não dava para mais. Então é assim que tratam os convidados?
Foi uma das senhoras que estava na rua que me desenrascou. – Oh homem, entra-se de lado.
E não é que era mesmo? Ela tinha razão. De um lado e de outro (!!!) uma porta no mesmo vidro fosco, daquelas que abriam. Sorri encavacado e penetrei.
A Igreja Matriz Paroquial de Santo António de Moscavide, sendo pequena, tem um interior bastante amplo. Não é daquelas igrejas tradicionais, construída na década de 50 do século XX, tem linhas modernas – a terminologia é a de quem não domina o assunto, portanto, paciência com o escriba.
Tem um altar central, muito simples, muito “despido”. Cristo Vivo, Eu Vim Para Que Tenham Vida, pode ler-se. Tem também um altar mais pequeno, lateral, à direita.
Passei pela pia baptismal e fui colocar-me ao lado de um pilar, tentando passar despercebido. Se havia coisa que eu não queria era perturbar.
Em frente a esse altar lateral – mal iluminado, vazio -, umas duas dezenas de mulheres e um homem – idosos, todos -, cantavam uma ladainha. Estava quase para me ir embora, quando, ao terminar a cantoria, ao mesmo tempo que as senhoras soltam um sonoro Ámen, se acende uma imensa luz por cima do altar.
Não consegui evitar achar que ou aquilo estava muito bem ensaiado ou era um sinal para que eu não saísse já. E não saí.

Reparo então numa senhora que está sentada nos bancos da nave central. Levanta-se e dirige-se para um púlpito que está ao lado do altar lateral. Abre um livro, coloca os óculos, sopra no microfone e começa a dizer nomes.
Nomes de pessoas, entenda-se, não a ofender alguém. Achei-a com cara de poucos amigos. Marcolino José Saraiva, Leopoldo Francisco Baeta, Genuína Maria Fagundes, Gertrudes Isabel Bandeira, e por aí a fora – os nomes são da minha autoria, que dos ditos não guardei memória.
Aquilo intrigou-me, o que seria? Não me pareceu que fosse a chamada dos presentes, como na escola. Estava eu a conjecturar, quando a senhora levanta os olhos do livro. Olha por cima das lentes e dispara: - Assim não pode ser, depois digam que eu não leio os nomes… é sempre a mesma coisa. – Diz ela com impaciência.
Aparentemente, tinha apanhado duas velhotas na conversa e estava a dar-lhes um raspanete. Sortiu efeito, nunca mais se ouviu um ai até a senhora terminar a leitura.
Voltou ela para os bancos centrais e ali ficámos todos, quietos, em silêncio. Nem me atrevi a mexer. Se ninguém se mexia, também não era eu que o ia fazer. E agora?, pensava eu.
Estivemos naquilo quase 5 minutos. Reparo então nos confessionários, 2. Têm uma zona central, onde se senta o padre, tapada por uma cortina escarlate e, de cada lado, o local de quem se vai confessar, totalmente aberto. Tive que achar que era necessária uma boa dose de coragem para alguém se confessar ali, à vista de toda a gente. E porquê um lugar de cada lado? O padre consegue confessar duas pessoas ao mesmo tempo? É para ser mais rápido, ainda uma pessoa não saiu de um dos lados já está outra pronta do outro?
Nisto, sai um senhor de uma porta ao fundo, à esquerda. Vamos ter acção, finalmente. Curva a cabeça ao passar pelo altar central, curva a cabeça quando passa ao lado do altar lateral e senta-se. Mau
Distraio-me a olhar para os 11 quadros colocados de cada lado da nave central. Penso representarem a Via Dolorosa.
Estava eu a matutar no facto de estar, até então, convencido de que a Via Dolorosa era constituída por 14 ou 15 estações e se seria a mesma coisa que a Via Sacra, quando, vindo do nada, uma sonora badalada me traz de volta à Terra.
Foram 7 as badaladas. Eram as horas. E depois o Avé Maria tocado pelos sinos. Na igreja nada, ninguém se mexia.
Esperava-se por alguém, conclui eu brilhantemente. O padre, pois claro, ia haver missa às 19h00, que esperto que eu sou.
Mais 2 minutos e lá vem ele, de paramentos verdes, seguido por um homem. Curva a cabeça ao altar central, benze-se ao chegar ao altar lateral. Todos estão agora de pé.

“Em nome do pai, do filho e do espírito santo”… e depois lembrei-me: a metade do frango, já estou atrasado!
Saí quase a correr.

29 comentários:

Alberto Oliveira disse...

Moral desta história bem contada: Nunca é tarde para comprar frango assado em Moscavide; Deus zela para o tempo passe agradavelmente...

Quica disse...

Adoro as tuas histórias. São sempre fantásticas. Fazem-me pensar. É, gosto mesmo muito.
Bj

Sofia disse...

Ou é por ser da hora mas este teu post deu-me fome!

beijocas

Marta disse...

Continua a deliciar-nos com as tuas palavras!

Vilma disse...

Gostei da história!:))
Agora chamar "Moscavide" de uma bela localidade fronteira.... não concordo! Não é por nada, mas trabalho aí, almoço aí e compro frango aí também! :)) Só não vou à Igreja Paroquial! heheheheh

Margarida Atheling disse...

Bom... parece que mesmo nos momentos em que parece que estamos condenados a deixar apenas passar o tempo por nós, podemos ver coisas novas. :)

Anónimo disse...

Gargalhadas.........ai Rui esta tua história está fantásticaaaaaaaaa. Xiiii o colega do gabinete ao lado até está a olhar para mim...ainda não é hora de "recreio" :S (shame)

Anónimo disse...

Pois pois, pensavas que ias encontrar uma beata tipo Soraia Chaves, o que tu queres sei eu.

Um abraço

Anónimo disse...

Rui realmente tem tudo a ver lololo frango e missa!!! Anyway os frangos segundo dizem já não são o que eram, mas de qualquer modo fizeste recordar coisas boas pois morei algum tempo perto de pa essas bandas (um cadito mais longe) mas era em moscavide que fazia mts coisas. Obrigada pelas recordações e parabens + uma vez pelo texto. Bjs.

isabel disse...

Que texto tão engraçado e bem disposto.
Gostei da tua escrita, muito límpida e fluída.
Parabéns!

Meia Lua disse...

De vez em quando também vou a Igreja, só para pensar. É engraçado, tudo aquilo de que nunca passa pela nossa cabeça, tudo novo, tudo estranho e ao mesmo tempo tão cheio de detalhes... às vezes damos passos numa direcção... para ir ter a outra ;) beijinho

alyia disse...

Hoje gostei mesmo do texto.

Maria Papoila disse...

Olá! Será que os nomes que a tal senhora leu eram daqueles por quem seria rezada a missa? Fiquei curiosa e assumo que tenha sido assim. E o frango, estava bom?

Vanessa disse...

Eu chamo a isto "ir à missa e não ouvir o padre"...

E as cenas dos próximos capítulos?
Hun?

Vampiria disse...

Querido, somos duas.. a que conhecias e a que passaste a conhecer, beijo, a vampiria voltou, mas viverá a par com a sua irmã Legionária.

segurademim disse...

devias ter ido ao jardim de moscavide, há lá um restaurante com um frango soberbo e esparregado a preceito, aconselho vivamente um regresso à terra de fronteira; saltando a parte da missa do sétimo dia dos defuntos ... e vá lá que não te tirou o apetite!!!!

bj ;)

susana disse...

Rui, isso de ir a missas do sétimo dia!!Pois penso que era o nome de pessoas falecidas que ouviste!!Geralmente só se manda rezar missas depois das pessoas morrerem e mais uma data de coisas!!E em vida até se esquecem que elas existem!Gostei ,mas prefiro o do telefone!!Isto de combinar frangos com missas!!!loll!!

Anónimo disse...

:)) Beijos e votos de um bom fim de semana

Dani disse...

Digamos que tiveste 15 a 20 minutos de êxtase religioso, e quase foste convertido. Mas o mal venceu! Ah, maldito frango! :)

a_mais_fofa disse...

Seria bem mais chato se não tivesses nada para fazer... Assim sempre aprendeste coisas novas... como entrar na igreja, por exemplo...
*a_mais_fofa*

Anónimo disse...

Maldito frango...
=P
Bom fim de semana

Sara MM disse...

esse frango teve 7 dias de avanço, pelos vistos
;o)

Ângela disse...

Foi a primeira x k vim aki parar... e confesso k adorei!!
Por vezes (vezes essas mto esporádicas...) vou à Igreja, mas devo confessar que esta foi a "visita" mais agradável que alguma vez fiz.

Bjinhos**

virilão disse...

esta fez-me lembrar, aqueles dois no Colombo...um comeu a salada o outro a sobremesa, e siga que o "estrago" está feito!

manhã disse...

As igrejas reconfortam e as orações também quando as fazemoscom convicção.É verdade que chamas a atenção para factores pouco espirituais e até forçados da religião, tem um lado cómico, até ridículo mas há muita gente idoso que sente na igreja um amparo e isso é bom.Gostei do texto.

Ana P. disse...

Querido Rui, hoje e nem quero saber porquê, não estou lá muito famosa. Por isso nem vou fazer comentários ao teu post.
Deixo-te apenas um beijo

M.M. disse...

Olha lá, este post dava para começar uma pequena série. ;-)

Anónimo disse...

Acabei de encontrar esse blog e fico mto feliz por tê-lo feito. Volto mais vezes. Beijo.

Fortunata Godinho disse...

O meu caro Rui!
Acho DEMAIS o modo irónico como escreves!
Adorei.
Dá-me vonatde de rir, porque é mesmo assim: os nomes dos falecidos, as beatas, a mesma ladaínha, os mesmos passos estudados, os grandes silêncis - que deveriam ser de reflexão mas como são tão impostos, acaba-se por dispersar pensamenteos acerca de tudo e mais alguma coisa, e queres saber que mais, acho que os confessionários não são para confessar ninguém. Sempre que vi alguém a ser confessado as pessoas são confessadas cara a cara com o Pe. que está sentado numa cadeira ao pé do altar.
Acredites ou não, quando fiz o meu Crisma (por opção, entenda-se - que isto da Fé tem muito que se lhe diga) fui confessada na secretária do Pe., dentro do seu gabinete na casa Paroquial, numa solarenta tarde do sábado anterior...
Um dia destes falarei destas coisas da Religião, acho que estou a precisar.