quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Empresta-me o Teu Olhar (parte 1)

Sentia-se exausta. Depois de um dia de trabalho em que poucas coisas tinham corrido bem, ainda tinha que ir às compras.
Sentada no carro, ponderou pela décima vez na última hora se poderia passar sem as fazer. Não se sentia com cabeça para andar às voltas no hiper-mercado.
Lembrou-se do último pedaço de queijo, comido nessa manhã. O fiambre há muito que tinha terminado. Já só restava um resto de manteiga para pôr no pão. Ainda assim, ponderou se a manteiga daria até ao dia seguinte.
Só se convenceu que tinha mesmo de ir às compras quando se lembrou que a sopa para os miúdos também já tinha terminado há dois dias, que não tinha legumes para fazer outra e que, depois de hambúrgueres e pizzas comidos fora, ela e os filhos mereciam uma refeição caseira.
Suspirou e sentiu as forças abandonarem-na quando percebeu que, depois das compras, ainda tinha que preparar o jantar. Tinha saído mais cedo do emprego para tentar descansar um pouco, mas ainda não ia ser nessa noite.

Estava na zona azul do parque de estacionamento do Centro Comercial Colombo. Apesar de não ser ali que fazia as compras habituais, ia ao Continente para aproveitar um talão de desconto, gentilmente oferecido numa gasolineira. Sanguessugas, pensou ela enquanto memorizava o local onde tinha estacionado. Já não era a primeira vez que ali se perdia.
Tinha tido um dia péssimo. Subia as escadas rolantes e fazia um resumo mental do que tinha acontecido. Não conseguiu lembrar-se de nada positivo. Aliás, acabava de se lembrar de mais uma coisa que tinha corrido mal: a zona azul do estacionamento ficava longe do Continente e, com acesso por escadas rolantes, só poderia levar o carro das compras até onde tinha estacionado se fosse dar uma volta que desconhecia e que, calculava, deveria ser enorme. Teria de resumir as compras ao essencial, algo que pudesse carregar… e teria de voltar em breve às compras.

Ao sair das escadas rolantes sentiu uma tontura e quase caía, não fosse um velhote que vinha atrás dela a ampará-la.
- Você está bem?
- Sim, obrigado, agora estou – respondeu. Mais uma queda de tensão, pensou. Nas últimas semanas era a terceira vez que lhe acontecia. Não podia continuar a ignorar. Ficar doente não era uma opção, mas tinha que ir ffalar com o médico da sua empresa sobre estas tonturas que começavam a ser recorrentes.
Sentou-se no bordo do repuxo que fica em frente às escadas rolantes. Precisava recuperar a totalidade da consciência.
Ali sentada podia ver o intenso movimento junto à entrada do Continente. Mais uma vez, ponderou o adiamento das compras. Não posso, agora que aqui estou, tenho mesmo que ir, pensou para si. Fechou os olhos e o som da água que corria no repuxo parece acalmá-la.
Pensou em férias na praia, viu-se deitada numa espreguiçadeira debaixo de uma palmeira, diante de si, um mar azul-turquesa. Sentia a areia branca, finíssima, nos seus pés.
E depois ouviu um telefone a tocar, ao longe. Telefone, não… férias… O som de um jacto de água lançado a grande pressão na direcção do tecto do Centro comercial, fê-la abrir os olhos. Tinha passado por um estado de vigília, quase tinha adormecido. Olhou em redor e viu um mar azul-turquesa, muitas palmeiras e um casal de mão dada que passeava à beira mar.
Tudo isto se passava num enorme televisor que estava em exposição na entrada da Worten. Passou as mãos pelo rosto. Precisava voltar rapidamente à realidade.
E então, ouviu novamente o telefone. Olhou para a sua mala, mas o telemóvel não era. Estarei ainda a sonhar? Outro toque. Apurou os sentidos e aguardou que tocasse novamente.
Apesar do ruído e do muito movimento à sua volta, conseguiu perceber de onde vinha o som, era de um dos telefones públicos que ficavam junto às escadas rolantes.
Continuava a tocar, perante a indiferença de quem passava. Serei a única pessoa a ouvir? Levantou-se e aproximou-se do telefone. Precisava ter a certeza.
Tocou de novo e assustou-se, deu um passo atrás e olhou à sua volta. Ninguém parecia interessado nela ou no telefone. Deu por si a pensar se aquela chamada seria para si. Que estupidez… mas se tocar novamente, atendo.
Trimmmmmmmmmm. Fixou o olhar no auscultador durante breves segundos e levantou-o.
- Estou?

29 comentários:

segurademim disse...

Ora pois então, muito bem...

Para mim, uma ida ao supermercado é uma pausa, momento de descontracção, um exercício relaxante!!!

Cozinhar e os cheiros respectivos, daqueles que dão odor a toda a casa e à escada também, é uma fuga à pressão do quotidiano...

Parece-me que ela, de forma inacta, fez boas escolhas, oxalá as tonturas também sejam um bom indício...

Fico a aguarda :)

Dani disse...

As vertigens que eu sinto cada vez que tenho que entrar nesse templo do consumo...
Será que era para ela...?

Sofia disse...

:)
De volta às historias emocionantes e que nos prendem a ti..... para quando a II parte? Já estou em pulgas.........
como goste de te ler.

bjs
ss

Anónimo disse...

Deixa-me advinhar.
Quem estava a ligar, era o senhor da agencia de viagens Cosmos, que tem um aparelho de ondas cerebrais que consegue ler o que as pessoas sonham em ter, e dificilmente realizar.
Ou então foi Deus que ligou.
Rui se foi Deus, saca-lhe o numero que eu tenho umas coisitas para lhe dizer ok.

Muito bom, promete.

Um abraço

Ana P. disse...

Tou curiosa, não demores muito.
Tenho que começar a imprimir os teus textos e levá-los para a WC.

Jinhus
ANa

Anónimo disse...

As tuas histórias são sempre fascinantes...têm uma força tal, que nos cativam até ao fim. Beijinho se me é permitido ;)

Anónimo disse...

Espero plo resto mas o incio tá lindo
=P
Sorrisos com beijos

susana disse...

rui, o computador é uma máquina!confio mais no instinto humano, vai ver a alteração que fiz ao post!!!lolll

Anónimo disse...

Hmmm...!!! Deveras intrigante e cheio de suspense...
Depois do estou? o que irá acontecer...???!!!
Muito bom texto, logo vi que a falta de imaginação era temporaria!!
Beijos

Marta disse...

História interessante!... A parte II demora? :) Escreves muitíssimo bem.

Anónimo disse...

mais uma vez gostei :)

Alberto Oliveira disse...

Veremos o que o que vais arranjar à tua heroina na segunda parte da história...
Aguardo.

CS disse...

at the edge of a nervous breakdown...

Vilma disse...

Aguardo o resto...! :)

Vanessa disse...

Estamos à espera...





Então!!!???


Bom..pelo sim pelo não, faço o prognóstico:
É Stress e ainda por cima ficou grávida! (de certeza!) ;P

Legionaria disse...

hmmm, sim senhor, a descrição mesmo quotidiana num desfecho ainda por consumar...tens de fazer uma antologia dos teus textos ;)
um beijo

GNM disse...

Ja venceste a dificuldade de iniciar, que referiste no post anterior!

Vou aguardando pelos próximos capítulos!

Fica bem...

Meia Lua disse...

Estou à espera da próxima parte...
Mas deixa-me perguntar uma coisa...
Os olhares emprestam-se? Engraçado... eu pensava que davam-se... :) beijinho

Margarida Atheling disse...

Vá!
Escreve depressa a continuação!
Agora deixas-nos assim à espera... :)

Maria Liberdade disse...

A parte do fiambre, do queijo e da manteiga soa-me familiar... Gostei mt!

mixtu disse...

ummm, suspense... grávida?

919 disse...

Pois... muito malzinha, muito cansadinha, mas muito curiosinha!... E pelos vistos não é só ela, porque agora eu também gostava de saber o resto!...

Anónimo disse...

Olá interessante, quero mais:))

Bom fim de semana.

Beijos meus

Sara MM disse...

isto promete... estou em pulgas! venha o resto!!!

BJs

Anónimo disse...

Não é para qq um dar continuidade a esta história... surpreende-nos :)

LD

Lagoa_Azul disse...

Oh rui , até pensava que ia já ler a continuação e tudo...
Eu empresto-te o meu olhar :)

Beijos de boa semana.

a_mais_fofa disse...

Felizmente só li este post com o seguinte já disponivel... não ia aguentar a espera...
Consegues agarrar quem lê!
*a_mais_fofa*

a_mais_fofa disse...

Felizmente só li este post com o seguinte já disponivel... não ia aguentar a espera...
Consegues agarrar quem lê!
*a_mais_fofa*

M.M. disse...

Excelente.