quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Assunto: Um Pedido

De: Diogo Melo [diogo.m@***.pt] Enviada: qui 01-02-2006 10:52

Para: Artur.Valença@*****.pt

Cc:

Assunto: Um pedido.

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Artur,

Imagino que ao veres o meu nome na pasta dos mails recebidos, deves ter sentido um calafrio. Só podem ser chatices, pensaste tu.
Como não sou pessoa de defraudar expectativas, fica sabendo que sim, são chatices. Tu desculpa-me isto mas, não sendo nós sequer os melhores amigos nem tendo grande intimidade, não consigo lembrar-me de melhor pessoa a quem recorrer, com quem desabafar um pouco. Preciso da tua calma analítica, do teu conselho ponderado. Nunca te disse isto, mas aprecio a tua opinião.
Ainda pensei em nos encontrarmos, mas percebi que não seria capaz de falar tão bem quanto sou capaz de escrever. Ia, automaticamente, defender-me, procurar palavras menos dramáticas, no fundo, não ia dizer aquilo que quero, que preciso, pelo menos não tão cruamente, tão abertamente. E neste momento o que eu preciso é de ser sincero e absolutamente franco.

Muito estranho isto, não achas? O senso comum diria que falar seria o ideal para se dizer o que realmente nos vai na alma, que a escrita, por ser mais pensada, seria óptima para disfarçar, para nos escondermos nas entrelinhas.
Comigo é ao contrário. Se eu puder pensar, reflectir sobre aquilo que quero realmente dizer, sai-me a verdade, mostro-me tal qual sou. Acho que isto é assim porque, ao longo dos anos, consegui desenvolver uma técnica que me tornou um tangas. Não é à toa que sou um bom Comercial.
Como vendedor vou directo ao assunto, não perco tempo nem faço os clientes perderem – é algo que muito apreciam. Se estivéssemos a falar, já tinha feito um resumo rápido – portanto, resumido demais – do que me tinha feito falar contigo. Por escrito não, aqui consigo fazer introduções, preparar o terreno com explicações prévias, fazer apartes.

E aqui chego ao que me levou a escrever-te. Até há bem pouco tempo eu não era apartes, introduções e explicações prévias. Como que descobri um novo eu e tenho-me assustado.

Começou tudo há não muito tempo, quando a Joana me disse que estava farta. Que eu parecia mais ausente de dia para dia, cada vez mais desprovido de sentimentos. Que ela se sentia uma cliente e não minha mulher. Que eu estava irreconhecível e que o nosso casamento já não era o mesmo do inicio. Assim, sem mais nem menos.
Foi como se tivesse levado uns murros no estômago. Nem sei de onde eles vieram, fui apanhado desprevenido. Um autentico choque para mim. A minha primeira reacção foi não querer saber, achar que era mais uma das coisas dela.
Preparava-me para não lhe ligar, como faço habitualmente. Ela fala, queixa-se, barafusta e eu vou acenando com a cabeça mas sem a estar a ouvir. Desde que ela não se ponha à frente da televisão, para mim é só ruído de fundo. “Toma um Xanax que isso passa”, digo-lhe eu às vezes. Ela fica danada, até deita fumo, mas é o suficiente para se calar.
Uma besta, eu sei.

Desta vez não, vi-lhe no olhar, na expressão, que era diferente. Não era a Joana dos outros amuos, se alguma vez ela tinha falado a sério, era desta vez.
Na altura a coisa ficou por ali mas nunca mais deixei de pensar nisso, nas causas de tudo aquilo. Se eu teria mudado assim tanto.
As conclusões a que tenho chegado têm-me deixado assustado e triste; não fosse uma pequena esperança que possa estar enganado, e já tinha entrado em séria depressão – preciso que me digas com toda a sinceridade se, daquilo que me conheces, que nos conheces, o que achas e o que devo fazer.

Digo isto porque acho que não mudei assim tanto e, ao mesmo tempo, a Joana tem razão. Tenho sido um egoísta que não tem conseguido ver para além de si. Dei como garantidas uma série de coisas e não me preocupei mais com isso. Pelos vistos, isto das relações implica um recomeço constante, uma reconquista quase diária da outra parte. Um esforço que não fiz porque não sabia que era necessário.
Na verdade, e isto é terrível, não sei se a amo. Pior, não sei se alguma vez amei algo ou alguém! Não sei sequer o que é isso de amar.
Um dado tenho por adquirido: não a soube amar.

O que é amar, sabes me dizer? Como se identifica o amor?

Quase a fazer 40 anos, dou por mim a debater-me pela primeira vez com estas questões. E isso não é normal, se nunca foram temas importantes para mim, porquê agora? Será isto a famosa crise de meia-idade?
De um momento para o outro, vejo-me a olhar para dentro, à procura do meu mecanismo de funcionamento, preocupado em saber como se mexem as engrenagens que fazem de mim aquilo que sou. E assusto-me. Mais ainda quando percebo que sou portador do não resolvido, de incertezas.
Eu não era assim. Este tipo de interrogações sim, são em mim uma mudança, não o que levou a Joana a confrontar-me. É que, até recentemente, só havia questões simples com respostas simples, dúvidas de solução fácil.
Agora surpreendo-me a pensar na vida. Na minha vida! Pela primeira vez, também, tenho medo.

Ela fez as malas e saiu de casa, foi viver com uma amiga – não conheces. Diz-me que gosta de mim, mas que gosta mais dela. Que eu preciso pensar e que me dá um tempo.
Sei que o tempo é curto mas não sei o que fazer. Ajuda-me.

Um abraço.

Diogo.

PS – Ao reler o texto vejo que no início escrevi que não gosto de defraudar as expectativas. Podia ter apagado, mas não, a ironia reflecte bem a pessoa que eu tenho sido.

26 comentários:

Alberto Oliveira disse...

... este Diogo é um distraido; a Joana foi para casa de um amigo.

Numa carta não se diz tudo...

Anónimo disse...

(uma coisa o Legivel tem razão: o Diogo é um distraido! Mas nao acredito na historia do AMIGO. Será que quando uma mulher decide sair de casa é porque tem UM AMIGO???? Em q mundo vives?)

Quanto a ti Ruizinho, muito bom como sempre. É muito real, muito autentico, lembra-me qualquer coisa.

Um beijo enorme e obrigado. Tu sabes porque!

ss

Gina disse...

Se há coisa que me faça confusão é nós seres humanos tomarmos algo ke nos é oferecido como um dado adqurido.
Na maior parte das vezes, se algo é nosso, deixamos de lhe dar o devido valor, esquecendo ke se uma camisa se rasga, precisa de ser cozida para a continuar-mos a vestir, se o carro tem o farol partido temos de o substituir para continuar-mos a ter luz, se uma planta nos é oferecida temos de lhe por agua e adubo, para ke continue linda linda e viçosa.
As relações são esse mesmo espelho, e é pena ke as pessoas se esqueçam de regar e por abubo na planta...
É pena ke existam tantos Diogos por aí, ke só aprendam a dar valor ao ke tinham kd. o perderam...
Beijinhos meu kerido

M.M. disse...

Olá

Excelente texto, como de resto nos vens habituando.
Isto dos dados adquiridos... ai, ai. Há quem viva anos e anos neste engano. And only when it bites them in the ass é que acordam. Enfim...
Acho que é isso que se passa tb na relação do Tom, pobre coitado. Only when it bit him in the ass...

Anónimo disse...

Muito bom mais uma vez! Dá que pensar...faz nos ver que afinal o amor é mesmo como um jardim, que para permanecer vivo e bonito tem de ser cuidado e tratado. Faz me pensar num certo alguém que entrou na minha vida e que era também distante...faz me pensar se por vezes a distancia foi um erro, o meu excesso de cuidado, de antenção, de mimo...sufocou e o mais importante que até nem era o amor (amizade, carinho e cumplicidade) se perdeu. O amor não é apenas por si só amor...é um conjunto de coisas, sentimentos, de partilha, diálogo...muito diálogo!
Beijos

Legionaria disse...

Alo, Rui!
Vim apenas informar-te k fechei o vampiria e me mudei para o blog do meu nome. beijo, até breve.

Lagoa_Azul disse...

Ai ai , coitado, ta com crise existencial aos 40, nada mal, na esmagadora maioria das vezes começa aos 30 :)...por altura dos n 40 já ta é noutra , noutra casa e noutra vida...
Muito sensivel Rui este teu post,
Resto boa tarde, beijos com carinho.

Ana P. disse...

Amanhã venho ler isto com mais atenção...
É k tou loira e só li 1 vez.
Ora, precisarei de ler 3 vezes antes de te bombardear com perguntas para me explicares...

Dorut

Jinhus
Ana

Azul disse...

Olá caro Rui. Vim agradecer-lhe a visita recente que fez ao meu espaço de escrita e de reflexão. Não sei como foi lá parar, mas agradeço-lhe o comentário. Prometo estar atenta ao seu blog também.

Quando ao texto que aqui apresenta, acho-o interessante. Mais ainda se se trata de uma carta pouco ficcionada. Nessa possibilidade, "diga" ao seu amigo que talvez esteja no rumo certo. Afinal, nunca é tarde para reflectirmos sobre o que tem sido a nossa vida. Vamos sempre a tempo de mudar o que está mal, e de refazer os nossos projectos. Para além disso, normamlemente quando nos disponibilizamos para tal empreendimento, na maioria das vezes, ficamaos também mais atentos aos outros, o que, diga-se de passagem, só nos faz bem. Ninguém consegue sobreviver bem, sozinho, num egoismo infantil. Para tudo há um tempo.
(desculpe-me esta intromissão à laia de sermão. A minha intenção é apenas comentar)

Um abraço para si. Até breve. Azul.

Anónimo disse...

GINA e que tal continuarmos a escrever continuarmos , tudo pegado? esquece os tracinhos, míuda!

Meia Lua disse...

Nunca é tarde para rever o que somos, como está a nossa vida, o que queremos, como podemos melhorar. Se o Diogo tivesse feito isto mais cedo, se calhar a Joana não o teria deixado com um tempo para pensar...
O nosso problema é que só pensamos nas coisas quando algo corre mal, ao invés de regar a planta todos os dias um pouquinho... é assim que cresce...
beijinho

Dani disse...

Quantas vezes niglegenciamos o que temos em casa, devido ao facto de o termos como um dado adquirido?

GNM disse...

O mais importante é conhecermo-nos a nós próprios, e conseguirmos perceber porque agimos de uma dada forma e nao de outra.
Vivendo e aprendendo...

Fica bem!

Maria Liberdade disse...

Tenho uma amiga que tem uma frase que utilizo sempre nestas ocasiões: "Ninguem nos prepara para isto"

PS. Desculpa, eu sei que o post merecia mais. Mas, foi isto que me ocorreu.

Margarida Atheling disse...

Um post magnifico!
Pode-se dizer muito acerca dele, mas isto resume: magnifico!

Ana P. disse...

Agora que o li com mais atenção...Oh Rui, é a minha história pah....
Só que o meu ex não se chama Diogo, e não fui eu que fui para casa duma amiga, mas ele que foi para casa da mãe.

E realmente só me deu valor quando me perdeu...

Jinhus
Ana

Anónimo disse...

Agora percebo....este foi daqueles dolorosos ;)

A ideia de fazeres um post como se fosse um mail é excelente, ainda me consegues impressionar.

E cá para mim, o Diogo ama mas é o Artur...

Agora o Artur vai combinar um café para falarem sobre o assunto, vai consolá-lo e tal...


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Gina disse...

Prontos tá bem tenho tracinhos a mais, desculpa bolas.
Num perdoas nadinha, ó anonymous

mixtu disse...

vida real, por vezes alguém tem que partir, espero que nãose arrependa.
abraços

segurademim disse...

E eu que vinha à procura de uma Ofélia, não a encontrei nem a ela, nem a Joana, que fugiu...

Bom fim-de-semana ;)

Anónimo disse...

Como se faz para manter o amor???

Uma mãe e a sua filha estavam a caminhar pela praia.
Num certo ponto, a menina disse:
"Mãe, como se faz para manter um amor?"
A mãe olhou para a filha e respondeu:
"Pega num pouco de areia e fecha a mão com força..."
A menina assim fez e reparou que quanto mais forte apertava a areia
com a mão, com mais velocidade a areia se escapava.
"Mamãe, mas assim a areia cai!!!"
"Eu sei, agora abre completamente a mão...."
A menina assim fez, mas veio um vento forte e levou consigo a areia
que restava na sua mão.
"Assim também não consigo mantê-la na minha mão!"
A mãe, sempre a sorrir, disse-lhe:
"Agora pega outra vez num pouco de areia e mantenha na mão
semi-aberta como se fosse uma colher... Bastante fechada para
protegê-la
e bastante aberta para lhe dar liberdade"
A menina experimenta e vê que a areia não escapa da mão e está
protegida do vento.
"É assim que se faz durar um amor..."

Sara MM disse...

mais vale tarde que nunca... para ambos!! ou para cada um!!

Bjs

Ana P. disse...

Oh borracho, lancei-te um desafio, vai lá ao meu cantinho, enche-te de força e responde...

Jinhus
Ana

Anónimo disse...

Fica uma música :)

I´VE READ MORE THAN A HUNDRED BOOKS
SEEING LOVE MENTIONED MANY THOUSAND TIMES
BUT DESPITE ALL THE PLACES I´VE LOOKED
IT´S STILL NO CLEARER
IT´S JUST NOT ENOUGH
I´M STILL NO NEARER
THE MEANING OF LOVE

NOTED DOWN ALL MY OBSERVATIONS
SPENT AN EVENING WATCHING TELEVISION
STILL I COULDN´T SAY WITH PRECISION
KNOW IT´S A FEELING AND IT COMES FROM ABOVE
BUT WHAT´S THE MEANING
THE MEANING OF LOVE
THE MEANING OF LOVE
TELL ME
THE MEANING OF LOVE

FROM THE NOTES THAT I´VE MADE SO FAR
LOVE SEEMS SOMETHING LIKE WANTING A SCAR
BUT I COULD BE WRONG
I´M JUST NOT SURE YOU SEE
I´VE NEVER BEEN IN LOVE BEFORE
NEVER BEEN IN LOVE BEFORE
NEVER BEEN IN LOVE BEFORE

NEXT I ASKED SEVERAL FRIENDS OF MINE
IF THEY COULD SPARE A FEW MINUTES OF THEIR TIME
THEIR LOOKS SUGGESTED THAT I´VE LOST MY MIND
TELL ME THE ANSWER
MY LORD HIGH ABOVE
TELL ME THE MEANING
THE MEANING OF LOVE
THE MEANING OF LOVE
TELL ME...

FROM THE NOTES THAT I´VE MADE SO FAR
LOVE SEEMS SOMETHING LIKE WANTING A SCAR
BUT I COULD BE WRONG
I´M JUST NOT SURE YOU SEE
I´VE NEVER BEEN IN LOVE BEFORE
NEVER BEEN IN LOVE BEFORE
NEVER BEEN IN LOVE BEFORE

Depeche Mode

Belo post ;) LD

Anónimo disse...

Pois é, sei bem como é essa história de só darmos valor ao que perdemos... ;)
A questão é se, com o tempo, aprendemos com os nossos erros... :)

E... concordo com o que disseram, é preciso MUITO diálogo, sim! Olhar para além do nosso umbigo e tentar sempre ver as coisas por vários pontos de vista... :)

Beijo grande para ti

P.S.- Alguém falou em Depeche Mode??? ;)


Tracinha... és mesmo cá das minhas, pa ;)
Beijo para ti :)

Anónimo disse...

Olá foi a 3ª vez que encontrei a tua página e reflecti imenso!Bom Trabalho!
Adeus