sexta-feira, setembro 16, 2005

Música e Felicidade

Saiu há poucos dias em cd uma colectânea de música chamada “Som da Frente – 2º Volume”. O Som da Frente era um programa de rádio que fez história. Passava nas madrugadas da Rádio Comercial no final dos anos 80, início dos anos 90 e era responsabilidade do António Sérgio (que agora seleccionou as músicas dos 4 cd’s que constituem a referida colectânea). Terminou no verão de 1993 o programa e foi com grande pena que ouvi aquela última emissão.
Fez história porque foi um espaço privilegiado para descobrir coisas novas, para dar oportunidade a quem começava, de divulgação de sonoridades que não cabiam nos formatos então existentes no FM (e como as coisas pioraram entretanto). Foi a minha companhia em muitas noites.

Quando eu tinha 10 anos e passei para o 5º ano de escolaridade, calhou-me inaugurar uma escola. Pelas razões que todos nós bem conhecemos, a obra atrasou-se e o ano lectivo só começou em Janeiro!
Para meu azar, eu era dos (muito) poucos da minha zona que estava naquela escola. Ou seja, de Setembro a Janeiro, não tive com quem brincar. Tudo estava na escola menos eu. Tive que me entreter sozinho.
Estávamos no início dos anos 80, os computadores eram uma miragem, a TV começava às 18h00 e as Playstations eram ficção científica. Sobrava a rádio.
Comecei a ter nessa altura a música como companhia de eleição (quando terminei o 6º ano, tive de mudar novamente de escola; calhou-me nova inauguração, mas desta vez o ano lectivo começou em Novembro).
Como até ao 11º ano tive sempre o horário da manhã, muitas tardes eram passadas a ouvir rádio. A saudosa Rádio Comercial. Começava pela hora de almoço com a Discoteca e continuava com O Vapor e com o Rock em Stock. Eram estes os meus programas preferidos.
Foram pessoas como o Adelino Gonçalves e o Luís Filipe Barros os responsáveis pela minha “educação musical” (como é que se chamava o apresentador d’ O Vapor?).
Tive depois a felicidade de os meus pais me terem oferecido por essa altura uma aparelhagem, Sanyo, caríssima, que hoje parece uma coisa… bom, dos anos 80, mas que na altura me colocou na vanguarda da alta-fidelidade (pelo menos lá na minha rua). Gravar cassetes passou a ser o meu passatempo favorito (não consigo transmitir a mágoa que senti, anos depois, quando descobri que o passatempo favorito do meu irmão era gravar relatos de futebol nas minhas cassetes).

No 9º ano (engraçado como muitas coisas do nosso passado são referenciadas pelos anos lectivos), vieram para a minha turma três rapazes mais velhos, repetentes e “deportados” de outra escola, que só ouviam Heavy Metal. Passei a ouvir também e a gostar. Foi também nessa altura que começaram a surgir as rádios pirata. Às dúzias. Isto permitiu ter acesso a mais variedade musical. Para quem fosse curioso, o difícil era escolher o que ouvir.
Como não parecia bem a uma rádio pirata não ter, pelo menos, um programa semanal de Heavy Metal, muito barulho se ouvia lá por casa (com auscultadores, claro).
Um desses rapazes, o Samuel (que mais tarde veio a fundar a editora Música Alternativa), fazia parte de uma banda, os STS Paranoid (sendo que STS era de Satan Take our Souls… sim, que estas coisas eram a sério) e, como era letrista da banda mas pouco dado às coisas da língua inglesa, vinha ter comigo, que era desenrascado no inglês, para o ajudar nas rimas. “Oh pá, o que é que rima com blood? E como é que se diz desmembramento”?
Recordo com saudade essas aulas de matemática. Sim, que era durante as aulas de matemática que lhe dava para a poesia. Ele nunca quis fazer a disciplina e eu vim em queda livre dos 80% nos testes para uns míseros 50% que me deixaram safar à justa.

Durante uns anos afunilei um pouco musicalmente no Heavy. Foi a audição do Som da Frente (SF) que me abriu outra vez as portas para outros sons, a chamada “música alternativa”. Aqui deixo a minha vénia ao António Sérgio que, com programas como o Lança Chamas (LC) e SF, me apresentou alguma da melhor música que se fez (e faz, porque ele continuou com o Grande Delta na XFM e actualmente com A Hora do Lobo, na Comercial).
Novo flashback. Desta vez para a tarde chuvosa de um sábado de 1991 em que ouvi no LC o “Smells Like Teen Spirit” dos Nirvana pela primeira vez. Estava numa paragem de autocarro no centro da Amadora, ouvi no rádio do Walkman (eu sei que corro o risco de dar uma imagem de tolinho). Era algo diferente, novo. Lembro-me da aflição em tentar perceber o nome da banda, de não o ter conseguido, de ter ficado sem saber se eram os Teen Spirit, os Nirvana ou os Nevermind.
Há músicas assim, que quando as ouço são como um murro no estômago. Que me provocam um embrulhar de tripas.
Isto é difícil de explicar, é algo que se sente, que eu sinto, mas que não sei explicar.
Não sei explicar o que sinto quando ouço por exemplo, “A Letter to Elise” dos The Cure; a versão ao vivo do “Roads” dos Portished; “Made of Stone” dos Stone Roses; quando os ouço os sinos dobrar no tema “Summoning the Muse” dos Dead Can Dance; quando ouço “Tear in Your Hand” da Tori Amos ou os dois minutos do instrumental “Paris and Bond”, da banda sonora do filme Tomorrow Never Dies (música de David Arnold)… podia estar um dia inteiro nisto.

No outro dia, em resposta a uma afirmação minha, alguém me disse que não via qual a ligação entre música e felicidade.
Por não ser nem o local nem a ocasião as mais propícias, não dei seguimento à conversa, até porque aquilo que me veio à ideia responder, iria, por certo, causar alguma estupefacção.
Porque o que me veio à ideia responder foi que, não só eu achava que música e felicidade andavam de mão dada, como, no meu caso, de alguma maneira, a música me tinha salvo a vida: foi a minha companhia em muitos momentos; foi a minha fonte de pequenas alegrias; foi o meu escape; foi aquilo a que me agarrei; foi a corda pela qual subi.

Sim, consigo ver a ligação entre música e felicidade. Nitidamente. Se guardarmos uma música no coração, vai haver sempre esperança.

3 comentários:

Anónimo disse...

A música faz parte de nós. Quem não tem uma musica especial que lhe faz reviver um determinado momento? Eu também passei mtas tardes a gravar cassetes com as minhas musicas preferidas. Ainda tenho algumas... :) Beijinhos Vizinho (VizinhaDaPortaAoLado)

Anónimo disse...

Concordo plenamente....Que seria de mim sem certas músicas em determinadas alturas da minha vida..

Sometimes you can't make it on your own...

Beijos Daqueles
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Anónimo disse...

Adorei a da aparelhagem... passava horas a fio a gravar músicas, a fazer 'rewind' para escrever as letras e assim a música fazer mais sentido...
'Saudade' dos Love&Rockets, 'Hotel California' dos Eagles, 'Father Figure' do George Michael, 'Perfect Skin' do Lloyd Cole & The Commotions, 'Purple Rain' do Prince, 'Heartbreak Station' dos Cinderella... Sim, a música anda a par da felicidade, da infelicidade e de muitos outros estados de espírito :) Great post ;)
LD