terça-feira, julho 19, 2005

Sem Titulo

13 de Setembro 1992
Praia de Monte Gordo
19h57m

A praia está praticamente deserta. Uma miúda, estrangeira muito provavelmente, está sentada a uns 150 metros à minha esquerda. Estou em frente ao Aparthotel Guadiana. Parece triste. Em que pensará? Gostava de ir falar com ela. Não consigo.
A esta hora o sol põem-se por entre a neblina, está um misto de laranja e amarelo. Lindo. Há gaivotas poisadas junto à água. Ouvem-se os sons da procissão que passa ao longe
A escuridão e a neblina adensam-se. Ao longe vêem-se as luzes de Altura, da Manta Rota e daquilo que, muito possivelmente, é Tavira.
Está cada vez mais difícil escrever, a luz falta.
Ouvem-se foguetes a estoirar, a procissão afasta-se. A praia está enfeitada. Um morcego.
O mar está calmo, a maré vai vazando lentamente. Sete gaivotas esvoaçam.
A miúda lá continua, cabisbaixa.
As luzes de Monte Gordo vão-se acendendo atrás de mim. Por entre os sons do walkman, conseguem-se ouvir os carrosséis da feira.
Por cima do laranja-cinza que assinala o fim do dia, aparece a primeira estrela. Há uma outra mesmo por cima de mim.
Está uma ligeira brisa mas ainda não faz frio.
Que futuro? Passam-me tantas coisas pela cabeça. Tantas pessoas…
A miúda foi-se embora, vejo-a afastar-se por entre os chapeus de sol recolhidos. Adeus.
A noite cai, estou a escrever por instinto.
Aparecem agora duas miúditas pequenas junto à água, um pouco à minha direita.
Os morcegos voam à minha volta… que futuro?

20h14m
Estou agora no posto de observação do Instituto de Socorros a Náufragos. À minha esquerda levanta-se a lua, está enorme, num tom amarelado escuro. É uma visão impressionante.
A neblina levantou-se. As luzes ao longe estão mais nítidas, cintilam.
Escrevo mas não vejo já nada.
Há mais pessoas na praia, mas longe.
A lua está mais alta. Vê-se a luz do farol a rasgar a noite.
Onde estarão todos aqueles que me vão no pensamento e o que estarão a fazer? Como gostaria de estar junto deles.
A brisa é já vento, mas não ainda frio.
Mais pessoas na areia.
“Against All Odds”, Phil Collins.
Estão a queimar fogo de artifício no largo da igreja, a procissão chegou.
O céu enche-se de estrelas.
Estou a tentar escrever com a luz de um candeeiro que está atrás de mim, mas não é fácil.
Vão também aparecendo umas luzes no mar.
Estou quase a falar de pessoas em concreto. Não posso. Não quero.
Que lua magnifica.

1 comentário:

Fata Morgana disse...

Andei por aqui a ler, tens coisas muito bonitas e escreves com sinceridade, é giro dizeres-nos que "estás quase a falar de pessoas em concreto e não podes, não queres". Também me fizeste visualizar... gosto disso.
"A Princesa" do Tennyson é a cereja no bolo :)
Vim retribuir... vou voltar!
Um beijo para ti