segunda-feira, maio 09, 2011

Em Suspenso

As muitas partículas de pó são surpreendidas na sua agitação frenética pelo cone de luz que subitamente atravessa a sala até então às escuras parecendo não saber lidar com a invasão da sua sombria privacidade. Ele sente-se solidário com o pó. Depois já não: percebe que está farto da sua solitária privacidade. Pregado à madeira do chão não consegue tirar os olhos daquele atravessar caótico dos vagos restos de tudo de um lado para o outro da escuridão. A mente vagueia-lhe. Tem a casa cheia de lixo especialmente quando está em casa. Sente-se nauseado. Talvez se voltar a sair…

Vai todos os dias aos lugares onde ia com ela sempre na esperança de ser encontrado. Por certo ela perceberia o erro que cometeu. Talvez amanhã. Está demasiado dorido por fora para sair. Mas não o suficiente por dentro que evite o que se prepara para fazer.

Custa-lhe mais a ausência desde que percebeu que a memória dela se está a desvanecer. Os pormenores confundem-se uns com os outros e começam a fazer parte de um todo cada vez mais genérico e difuso. Guarda imagens, mas já não tem memórias e não a quer perder duas vezes.

Tacteia o projector fazendo aparecer uma fotografia na parede.

Tem os olhos fechados e não os abre.

À sua volta, indiferente à luz à dor e ao medo, o pó segue em todas as direcções.




12 comentários:

S disse...

este pó enche-me as medidas!
Bela foto, belo texto e bela banda sonora.

Alberto Oliveira disse...

A primeira tentação é rodar os dois botões no quadro do template a ver no que resulta daí.

Nunca tinha aberto um sítio com tanto pó. A minha sócia já foi à rua comprar dez caixas de espanadores swiffer.

A coisa está mesmo preta para o nosso homem, como o documenta a segunda foto (??) do post.

Alberto Oliveira disse...

... afinal há mais "quadrados negros" no final de outros posts. Fiquei positivamente às escuras...

Rui disse...

legivel,

agora, dou música a dobrar.

aqueles segundos quadros são musica e uma foto minha (no sentido de tirada a ferros por mim), mas nem sempre aparecem, vá-se lá saber porquê.

Alberto Oliveira disse...

Da música que não consigo ouvir não posso comentar. Da que aqui leio é de não perder uma nota.

S disse...

legivel,
mas deixa-me que te diga que perdes uma boa banda sonora para a tal longa metragem que um dia irás fazer que aqui o Rui tem bom gosto!
;)

Manuela C. disse...

Duplo prazer em ler o teu texto e os comentários do Legível... (primeiro ponto)

Conto bastante elucidativo do porquê de tantas asneiras em tão pouco tempo: memórias perdidas... (ponto dois)

...(terceiro ponto) Gosto da música e muito! Só que não consigo ouvi-la ao mesmo tempo que leio... a sério! A minha incapacidade para fazer duas coisas ao mesmo tempo já chegou a este ponto!

R. disse...

O pó ilustra talvez a multiplicidade de direcções e possibilidades que sucedem a uma perda, mesmo que indesejada.

tb disse...

As partículas de pó são mais livres que nós. Voam!... :)
Este pó é um regalo :)
beijinhos

Inês Diana disse...

Eu também não consegui ouvir a musica.. mas também talvez seja melhor assim... hoje apetece-me ser uma particula de pó, no meu recanto solitário.
Beijo para ti.

Vou tentar voltar mais vezes...

Maria Liberdade disse...

"I will never loose this pain. Never dream of you again." Não será melhor asim?

Rui disse...

Hopelessly adrift
In the eyes of the ghost again