sexta-feira, dezembro 28, 2007

A/c do Rodrigo Leão

Rodrigo,

Lá estive, mais uma vez. Nunca é a mesma coisa – e ainda que fosse, seria sempre um prazer. Se da penúltima vez nunca tínhamos sido tantos, desta, nunca tínhamos sido tão poucos. Resultou bem a opção intimista, de como quem se encontra no café e começa a falar da vida.

Não terá sido propositado, mas achei feliz a coincidência: local de encontros – ocasionais ou fortuitos – o café é também sítio de observação daqueles cujo trajecto se cruza, num ponto do tempo e do espaço, com o nosso olhar, e nos interrogam, se a isso estivermos dispostos.

Foi isso que aconteceu no sábado passado. Encontro de amigos, que falaram de si, e na tela, os anónimos que, sem terem dito uma palavra, disseram tanto sobre nós, os portugueses – excelente o trabalho do António Barreto, da Joana Pontes e o teu, ao nos retratar tão bem.

Lá estávamos nós, com aquela expressão triste – mesmo quando sorrimos –, a preto e branco, no campo, a caminho da cidade, a esperança que ia ser desta, as barracas…; em miúdos a fazermos fila para nos encherem a caneca com leite; na praia – talvez o sítio onde somos menos fatalistas – a aproveitar cada momento como se no dia seguinte a maré não voltasse; também a cores, mais descontraídos, com cara de quem anseia pelos maiores centros comercias da Europa, que somos pobres, mas desenrascados, e também se desenrasca consumo; lá estavam os velhos que já não são, a olhar com cara de caso para quem lhes tirava o retrato; também vi pressa e fiquei a pensar para onde iríamos nós tão apressados, seria em direcção ao futuro? Sabes o que não vi, Rodrigo? Não vi o Eusébio a marcar golos, ou o Águas a levantar uma das Taças dos Campeões (bons tempos…), também não me lembro de ter visto a Amália, de xaile nos ombros, olhos cinzentos, a fingir um sorriso, e não vi Fátima, a Nossa Senhora em ombros, os lenços a acenar. Teriam as imagens passado, por certo, num daqueles momentos em que eu estava a sonhar, que é coisa que me acontece quando te oiço.

Desta vez, talvez por sermos poucos, imaginei-me um de vocês, alguém que tinha o engenho suficiente para saber tocar um instrumento e estava no palco, a ser provocado pelo olhar maroto da Viviena, como ela faz com o Jano Lisboa ou com a Celina (como ela está a cantar bem; e, já agora, o que dizer da Ana Vieira, do Marco, do Luis Aires ou do Luis San Payo? Todos excelentes). A música também serve para estas coisas, não serve? Para nos transportar para sítios onde se queira muito ir, e lá, sermos aquilo que se consegue ser apenas nos sonhos. E faz-nos querer ser melhores pessoas, limar as arestas, as falhas.

Houve alturas em que eu não estava no Jardim de Inverno, antes, fui protagonista de um filme cujo guião construí com cada acorde da tua música, que é a banda sonora perfeita para o filme das nossas vidas: para os altos e para os baixos, para quando somos apenas nós, ou quando nos partilhamos; quando partilhamos locais. São alturas em que consigo ver esboços de como as coisas deviam ser. Em que é mais fácil vislumbrar os espaços em branco da vida que compete apenas a nós preencher, e que tantas vezes não sabemos onde estão, de tudo nos surgir tão turvo.

Tenho que te confessar que é apenas isso, um fugaz momento, uma fracção ínfima de tempo e que eu não tenho capacidade de apreensão para guardar memória do mapa com o caminho de saída do labirinto, mas é algo tão raro e precioso que, por mais ténue que seja, é muito importante para mim. Sabes, permite-me esperança – algo que ao pessimista raramente é concedido.

Acreditas que, enquanto vos ouvia, vi uma estrela cadente?

Até breve. Um abraço.



Do que se trata .pdf e site

25 comentários:

Rui disse...

A todos, um excelente 2008 e um abraço.

E obrigado.

mixtu disse...

uma estrela cadente? é pah... isso é mal, disse isso ao meu farmaceutico, que aqui na serra equivale ao psicanalista daí, receitou-me supositórios,
yayya

excelente texto
rodrigo e rui, um duplo abraço, monarquico e europeo

Anjo De Cor disse...

Rui não podia deixar de te Desejar um E X C E L E N T E ano 2008.
TUDO DE BOM.
Beijinhos
Sonia

un dress disse...

juvenal!!

tão mas tão lindo nome-de-caracol!

é que nem podia ser mais lindo!! :)


os filmes das nossas vidas... tão mudos às vezes...tão sós...tão excessivos de melancolia.

e depois ainda as estrelas cadentes os desejos...ter.ser esperança.

e que a música nos faz querer ser melhores pessoas...

ah que sim, o muito que sinto, que sim...






abraÇo.beijO

un dress disse...

chegar nU corpO a b e r t O






cheGar





como quem danÇa


como quem teCe


como quem







redOndaMente





se amanheCe






2008...:)

Alberto Oliveira disse...

... de fugida (ao cinzentismo luso por breves dias) deixo aqui um abraço ao meu dialogante do "costume" e os votos de uma ano novo menos velho de esperanças do que é hábito.

Pois. Falhou essa, "do Zé Águas ou do Eusébio". Mas não é por acaso que o homem se chama Leão, não é?!

Margarida Atheling disse...

Feliz 2008, cheio de estrelas cadentes! :)

Bjs

Gi disse...

Que ela, a esperança não te (nos) falte. Muito deixaria de fazer sentido!

Um ano cheio de esperanças concretizadas . FELIZ ANO NOVO.

Um beijinho


Gi

Eyes wide open disse...

Que pena ter-me passado ao lado.


Um 2008 estupendo para ti também.


*

~pi disse...

infelizmente não consegui entrar...esgotado!

também...era o último dia...

e por isso mesmo ainda bem que li e ouvi aqui!!:)

RC disse...

Que bom?

Anónimo disse...

:)
Um Feliz 2008...

mixtu disse...

falei com o rodrigo, ainda não recebeu...
yayaya

mas agora ajuda... outras ideias...
abrazo serrano

Anónimo disse...

Oi Rui!

Um bom 2008!

Há muito que não vinha para estas bandas, mas decidi vir espreitar como estavam os meus escritores preferidos ;)
Vejo que continuas a presentear-nos com as tuas maravilhosas palavras!
beijinhos

~pi disse...

agora... só mesmo a norte... :)






beijO

Cereja disse...

Uma crítica difrente... podia estar mum jornal e seria sempre um belo artigo.

ROSASIVENTOS disse...

ou

estrela cadente...

os teus cabelos que esvoaçassem
(nunca te vi junto ao rio em esplanada de voo)

o movimento curvo do teu olhar
(nunca te vi junto à tarde em café de chuva)


...

lélé disse...

Há que tempos, que ando para comentar este texto, mas não consigo. Quer dizer, consigo dizer, pelo menos, que o Rodrigo merecia mesmo receber esta carta. Está espectacular.

Anónimo disse...

Também vi uma estrela assim...cheia de magia. Foi de deslumbrar, de arrepiar e guardar na memória. Revejo-me e subscrevo a tua missiva.
:))

margarida já muito desfolhada disse...

rodrigo leão gosto muito. mas não vi, ando há dias a sobrevoar o mundo.

segurademim disse...

... o céu é o limite????

a sensação é boa, quente, aconchegante... haverá mais em 2008?

olha Rui: foi porreiro pá!

tudo de bom para vocês no novo ano

beijos mts

Andreia disse...

Amanhã é a minha vez de o ver em Aveiro. Tenho a certeza que vou sentir tudo isto que descreves. Se calhar mais - aquelas coisas que não conseguimos pôr em palavras... :)

****

Vanda disse...

Não vi o Rodrigo, mas venho ver-te a ti para te ler e te desejar um 2008 cheio de estrelas, nos olhos, nas mãos, no fio condutor das palavras...

Beijinho para ti e familia!

PS. Os "putos" ja devem estar grandes, né????

[A] disse...

[preguiçoso]


"a love bit" for you!
thanks.

Anónimo disse...

uma estrela cadente combina com rodrigo leão, na perfeição :) um beijo, rui. adorei a visita :)