segunda-feira, novembro 26, 2007

Um Jardim na Planície (6)

Braço erguido, punho cerrado, incredulidade que paralisa. Devo ter permanecido assim largo tempo, em torpor, como se a paisagem me estivesse a absorver aos poucos. Sentia-me cada vez mais parte dela.

O que significava realmente aquela frase? Devia interpretá-la literalmente ou havia algo mais, subentendido, escondido, como um enigma num romance de mistério? Agarrei-me à segunda hipótese por receio que fosse tão simples como estava escrito – e tudo o que isso significava.

Afastei-me dali. A terra tinha secado e parecia agora que não chovia há muito tempo, contrariando o que eu tinha visto ao ali chegar. A cada passo que dava, uma pequena nuvem de poeira erguia-se atrás de mim, caindo exactamente no mesmo lugar, cobrindo as minhas pegadas – anulando qualquer vestígio da minha presença. O calor era sufocante e à medida que caminhava parecia haver menos oxigénio disponível. Comecei a arfar e a ter dificuldade em avançar. Tinha também sono e a crescente sensação que algo me abandonava, lentamente. A angústia foi-se instalando à volta do coração, comprimindo-o, e alastrou-se rapidamente. Doía-me tudo quando, esgotado, me prostrei, de joelhos. A cabeça foi-me descaindo até ficar entre os braços, a tocar o asfalto – que já não era suave como uma pista de atletismo, mas rugoso e ressequido como tudo o resto.

Eu estava em pleno cruzamento, não longe da casa, e interrogava-me se valia ainda a pena o esforço de tomar uma outra direcção, procurar outro caminho, deixar a estrada, voltar para trás, avançar. Sair dali.

Uma lágrima surpreendeu-me. Apressei-me a limpá-la. Olhei em redor. Ninguém. Nada. Dei um murro no alcatrão. Ainda aquela maldita resta de esperança, quando era já evidente que ninguém ia aparecer. E era também evidente que, qualquer que fosse a direcção que eu tomasse, acabaria sempre ali, naquele cruzamento, naquela casa – que, percebia-o agora perfeitamente, para mim, não eram apenas o local de inicio de uma jornada, mas também o ponto de chegada.

No céu, o movimento perpétuo dos flocos de neve, mantinha-se. Seguiam em todas as direcções. Com várias formas. Talvez até a velocidades distintas – mas isso eu não conseguia perceber. Que ventos seriam aqueles, que permitiam tamanhas façanhas? Sorri o sorriso dos aliviados; de quem começa a perceber, quando um raio de sol rompeu a formação nebulosa e encheu a paisagem. O banco de pedra, o relvado, a sebe. Em todo o lado, havia agora uma quase total falta de cor. Tudo era em vários tons de branco.

Aguardei por algum movimento, mas nada aconteceu. Fui desnecessariamente cauteloso na aproximação à sebe, à minha frente. O corpo estava de bruços, o rosto quase totalmente tapado pelo braço direito. Era-me familiar. Junto à cabeça, percebiam-se os contornos de uma mancha, que se tinha espalhado, fazendo-a parecer desproporcionada. Um calafrio percorreu-me de alto abaixo, fazendo-me vacilar. Avancei sem o querer fazer: queria afastar-me daquele lugar, mas avançava.

Dirigi-me à lareira. Junto a ela estavam alguns troncos pequenos, cuidadosamente empilhados. Dei por mim a pensar que viriam de longe, que ali não se vislumbravam árvores. E depois ri.

Eram perfeitamente redondos e tinham sido cortados com um único e certeiro golpe, que não deixou qualquer marca nas extremidades, tão lisas estavam. A madeira era ainda verde, jovem. A casca de um tom mais escuro. Um único fósforo estava colocado na boca da lareira. Li novamente a inscrição: O Fumo Indicar-te-à o Caminho.

15 comentários:

Alberto Oliveira disse...

- Vai homem! mas tem cuidado contigo e abotoa bem o blusão que o tempo não está para brincadeiras. E o chapéu de chuva? Não o levas porquê?
- Ó Maria! deixa-te disso que só me atrasas. Não sabes que no estádio agora já não chove para cima dos espectadores?!
- Mas... tu vais à bola ou vais ao encontro dessa alma penada que anda aí por fora a congeminar sabe-se lá o quê?!
- A congeminar? Olha que tu às vezes surpreendes-me. Um dia destes ainda dou por ti a falar francês e a tocar p... Espera lá. Não ouviste alguém a rir? É o nosso homem e com tantas voltas que deu já não deve saber a quantas anda. Naturalmente até é adepto do glorioso e se assim fôr, vamos os dois ver o jogo. Olha chega-me aí aquele charuto grande que me deram quando nos casámos. Vou acendê-lo e puxar umas fumaças valentes para que ele não se perca no caminho.

Anónimo disse...

eu segui este fumo e vim ter aqui :) beijinho, rui.

Sofia disse...

Acredito que sim. O fumo da minha shisha tambem nao pára de me indicar o caminho. O caminho q devo seguir mas.... tal como na tua historia, o desconhecido mete-me medo!

;)

Maria Liberdade disse...

Está morto. Tranporta para a morte as indecisões da vida. E o fumo indica-lhe o caminho do céu...

(pronto foi só uma tentativa)

~pi disse...

perfeitamente: como nos sonhos!

queres fugir e...algo te avança!:)

mas sim, o fumo traça o cenário da esperança!

a

seguIR.............................



:)

Gi disse...

Pronto, agora entram os índios em acção com os sinais de fumo. Eu bem sabia que isto ía dar em "cóboiada" . Tivésses tu nascido há uns aninhos e fazias parte do movimento surrealista português :)


Beijinhos

un dress disse...

sempre me pareceram seguros os sinais de fumo.

mais fiáveis que todos os outros.

porque sensíveis e raros.

confesso que ultimamente, porém, duvidei um pouco desta crença...



beijO

Anjo De Cor disse...

Não tenho tido muito tempo para leer, sou sincera, mas ADOREI as fotos, estão espectaculares, giras mesmo.
SS ;)

RC disse...

Sinais de fumo?

Xi.

Sara MM disse...

ops!
esta já não vou conseguir apanhar... :o(

fico à espera da próxima.


Bjss

Isa e Luis disse...

Olá Rui,

Excelente como sempre, gostei muito.

Beijinho

Isa

lélé disse...

E pensar que na América processaram a tabaqueira lá do sítio!... Sim, porque aquilo é uma máquina de indicadores, coisa que, se for bem manipulada, faz render milhões!... Agora, para não se enganarem de novo, até publicitam em letras garrafais: "Fumar mata".

lélé disse...

(mas, sinceramente, eu fumo que nem uma perdida e não resulta!)

Margarida Atheling disse...

O céu?! O fumo indica sempre o céu, perece-me...

Bjs

Eyes wide open disse...

Mistéeeeeriiiiiiio..... ;)

*