segunda-feira, novembro 19, 2007

Um Jardim na Planície (5)

O sofá era um prolongamento da paisagem. Cansado, triste, desconfortável. Parecia aguardar por alguém que o levasse, terminada que tinha sido a sua missão. Ainda suportava o meu peso, mas já não permitia descanso e em nada aliviava o mal-estar que, cada vez mais, tomava conta de mim.

Apanhei o pano do chão e tentei perceber-lhe a textura. Seria do tamanho de um lençol e talvez fosse de algodão. Ou de linho. Passeio-o várias vezes entre os dedos e até pela cara e pelos lábios, como tantas vezes eu tinha visto a minha mãe fazer quando, no quintal das traseiras, queria avaliar se a roupa estendida já estava seca. Sem resultado. Eu estava a ficar sem sensibilidade: sentia o que tocava, mas apenas isso.

Mais calmo, mas com a cabeça ainda a doer-me imenso, levantei-me. Estava no centro do que parecia ser uma divisão única. Sozinho. O que eu tinha visto pela fechadura eram apenas enormes panos brancos, que tapavam alguns objectos de vários tamanhos e formas. Até onde conseguia ver – porque as extremidades da habitação estavam submersas por uma densa sombra –, as paredes, repletas dos grandes círculos castanhos da madeira, estavam despidas e não havia qualquer indício que a casa estivesse habitada. Apesar de, inexplicavelmente, não haver qualquer vestígio de pó.

Tacteei pela parede em busca da janela, à direita. Não demorei a sentir o ferro quente do ferrolho. Sem dificuldade, fi-lo subir e depois rodar. Estava bem oleado e não deixou escapar o mínimo ruído. Puxei ambas as portadas. Foi como abrir as comportas de uma barragem a transbordar de luz. Inesperadamente encadeado, ergui as mãos para proteger os olhos. Foi então que, por entre os dedos, vi um vulto a atravessar o relvado amarelo, mesmo à minha frente. Debrucei-me, mas quem quer que fosse já tinha desaparecido atrás de uma sebe. Gritei e, movimento contínuo, fiz por sair pela janela. Estava determinado a não deixar escapar aquela pessoa. Rapidamente, passei a perna esquerda pelo parapeito da janela e, ao passar a direita, o pé embateu numa das portadas e desequilibrei-me, ficando de gatas no alpendre. Quando me ergui não havia sebe, nem relvado, nem sol. Apenas o ofegante som da minha respiração, o meu desalento e o meu desespero, agora renovado e cada vez mais intenso.

Ao fundo, banhados pela ditatorial e fria luz sem vida, os cumes das montanhas circundantes, pareceram convergir em mim. Percebi que não havia saída, eles se assegurariam de não me deixar passar. Nesse momento a esperança cedeu e tudo se iluminou à minha volta. Uma rajada de vento passou a grande velocidade, como se fugisse de algo. O som de um trovão ecoou nas montanhas e o alpendre vibrou. Cerrei o punho direito, armei o braço e preparava-me para esmurrar a madeira junto da janela, quando, através dela, vi uma lareira. Por cima do umbral, uma inscrição numa placa de madeira, fixa na pedra da laje, deteve o meu movimento.


16 comentários:

Teresa Durães disse...

tenho andad ausente. li por alto (comprido=preguiça)

e a inscrição?

Alberto Oliveira disse...

... Maria voltou a si quando se sentiu transportada no ar por um desconhecido. Tentou ler na penumbra, os contornos da face do homem. Este, agora, passava-lhe suavemente os dedos pelo corpo-tecido, tentando, também ele, entender porque insondáveis motivos estava aquele pano branco a querer fazer-se passar por uma mulher. Na nuvens, pois há muito que não se lembrava de um homem assim a tocar, Maria fingia continuar sem dar acordo de si. Mas não reagindo, o homem desinteressou-se dela, deixando-a mais pálida que branca estendida no sofá. Maria aproveitou a ocasião, benzeu-se três vezes por conseguir manter-se fiel ao seu homem -embora o odor agridoce da infidelidade estivesse ainda bem presente nas suas narinas e correu pela casa fora à procura do marido. Este, também corria ao seu encontro (e houve uma altura que ambos pareciam correr ao retardador como se vê no cinema) até se encontrarem nos braços um do outro.
Fazia jeito que se beijassem e a história acabasse aqui pois estou ligeiramente perdido, mas o Rui, está a fazer render o peixe... .
- Então mulher? Parece que viste bicho!
- Se era um bicho, tinha cá uma mãos...
- Peludas e com garras, não?! Tratou-te mal?
- Não porque eu me debati com quanta força tinha. Mas que tentou, tentou.
- Deixa que não perde pela demora. Vou sair pela porta de trás e engendrar uma manobra de diversão que lhe vai ficar de memória. Quando ele me vir no relvado equipado com as cores do leão, até pensa que está a ver um lagarto. Gigante.

RC disse...

O trovão fez-me vibrar.

Xi.

Eyes wide open disse...

E nela lia-se "A melhor poncha de Câmara de Lobos".

;)


( as fotos estão lindas... gostaste da viagem? Eu sou suspeita para falar. Vivi lá seis meses)


*

Gi disse...

A casa não tinha pó porque as figuras brancas eram lencóis que tapavam a mobília? Toda a história não passa de um sonho depois de o protagonista ter bebido meia dúzia de ponchas e ter ido àté às nuvens? São elas as figuras brancas ? :) Caramba Rui, tenho andado com febre mas quem tem delirios és tu. Emburrei de vez. Acho que vou ter que ler a história toda de seguida, perdi-me no meio das quedas do rapaz. :)

As fotos estão 5 *****
(se eu clicar em denunciar conteúdo inapropriado o que é que acontece ? :O) )

lélé disse...

Ora bem, este rapaz tem algumas parecenças com o João Pinto, aquele futebolista, que na televisão até tem um aspecto mais mirradinho que os outros e nos jogos costuma atirar-se para o chão a cada passo... Pois!... O desespero é tão grande, que, só para tentar acabar com ele, a gente faz destas coisas!... As fotos estão lindas! Gosto imenso de madeira, mas só passei de "raspão" pela Madeira!... (adorei o "desabafo" do Legível)...

Será que esse missionário desgraçado vai encontrar de vez o jardim na planície?...

Afonso Faria disse...

Perco-me nos devaneios, construo outros, palpito e regresso de novo, envolvo-me! Gostei dos pormenores e das fotos. Dizes ser da Madeira! Vagamente da "minha" Madeira :)

un dress disse...

deus era...roupa a secar...oh...

sigo agora a chave.

inscrita por cima do umbral na placa de madeira...como em todos os livros de todos os mistérios.

ao longe uma música se abre.
apuro os sentidos e sim: vem leve como quem dança, espalhando-se a partir do farol...



:) beijO

Fortunata Godinho disse...

Rui, pelos vistos os meus comentarios não ficaram gravados.
Nem no teu nem nos outros...
De qualquer modo, aproveito a ocasião para te perguntar, então esse concerto? Sempre vêm cá? Se não for desta, para quando a visita?

~pi disse...

perdi-me completamente nas nuvens.

as das fotos. e as outras.




:)

mixtu disse...

render o peixe dizo legivel...
isto vai acabar na cama, na certa...

abrazo e nunca esmurres nada
yayaya

Sofia disse...

Parece q andei mt tempo fora mesmo. Chego aqui e deparo-me com um manual maior do que o meu da Idade Moderna para ler ;)

Ruizinho, vou ver agora o meu desgraçado clube mas amanha volto para te ler.

Bjs

Sofia disse...

Xiiiii, agora uma inscrição. Ui q isto tá a ficar complicado. Nao me digas que dizia "Sala de cuidados intensivos!"

Afinal do que é q ele sofre?

(Brincadeiras à parte, é bom ver que a tua escrita nao pára de melhorar!)

Sofia disse...

As fotos estão lindassssssss! Algumas estavam boas para o Legivel comentar! eheheheh

bjs

[A] disse...

Olá Rui.
Também achei as fotografias muito boas. Olho poético o teu.

Do teu comentário fiquei sem saber se:
-também conseguias ouvir o 0.03 em modo cana rachada
-também achvas os sapatinhos pavorosos
-também surrealizas por aí

Bj.

[A] disse...

bem... de novo a ver as tuas fotos...(desculpa, mas os textos não sei como comentar) e até fui ali buscar a minha machine photographique para ver se era o mesmo modelo que a tua, a ver se percebia porque as tuas imagens são tão mais bonitas...