A minha primeira reacção foi rejeitar a ideia. Já começava a arrepender-me de ter ouvido as gravações, quanto mais ir para o Algarve à procura de algo que eu nem sabia o que era.
- À procura de ti, João. Lembras-te? É disso que se trata, das tuas raízes, de encontrar algum descanso, alguma paz interior.
- Mas quem te disse que eu preciso disso? – Instintivamente, olhei para o armário onde guardava as garrafas. Tentei disfarçar, mas Leonor percebeu.
- Não te tentes enganar, pelo menos faz-me esse favor. Sabes bem o que eu quero dizer. Tu já não és uma criança e esta parece-me uma excelente oportunidade para fazeres algo por ti. – Veio sentar-se ao meu lado e agarrou-me na mão.
- Andas a ler muitos livros de psicologia.
- Ando é preocupada contigo há já algum tempo. Não sabes a alegria que me deste no outro fim-de-semana, com os meus amigos. Foi por esse João que eu me apaixonei e é dele que eu preciso.
- Estás a agarrar-te a algo muito ténue. Já reparaste que não temos absolutamente nada de concreto, que só existem suposições? Acho que estás a depositar demasiadas esperanças em algo que não está lá, numa espécie de pote de ouro no fim do arco-íris.
- Antes isso que nada. O que temos a perder, diz-me? Vamos passar um fim-de-semana ao Algarve e aproveitamos para fazer umas perguntas, se não der em nada, paciência, tiramos daí o sentido. Olha, eu não conheço a Fuzeta e gostava de conhecer o sítio onde nasceste.
- Eu próprio não conheço, não me lembro dos anos em que lá vivi. Há umas imagens na minha cabeça, mas nem sei se são recordações de algo real ou sonhado. E depois, vai ser difícil conseguir uns dias para lá ir.
- Desculpas, havemos de conseguir. João… eu vi como ficaste entusiasmado com a ida a Ílhavo e ouvi a emoção na tua voz quando me telefonaste a contar da gravação da tua mãe.
Sempre houve nela uma incapacidade de me fazer sentir seu filho, como se entre nós existisse uma barreira que ela não conseguia superar e que eu não conseguia entender. Pensando bem, eu nunca me tinha tentado aproximar verdadeiramente dos meus pais adoptivos. À medida que ia crescendo, fui-me remetendo para dentro de mim, sentia para dentro, desprovi-me de sentimentos. De alguma maneira, condenei-me à solidão, preparei-me para viver sozinho. E fiz um bom trabalho quanto a isso, só quando Leonor apareceu na minha vida, sem pedir licença, sem perguntar se podia, qual furacão, é que eu percebi duas coisas: o quanto eu me tinha tornado especialista em manter à distância quem me rodeava e como estava farto disso.
Mudar estava a ser difícil mas, ali no sofá, deitado no colo dela, a olhar para o céu através da janela, percebi que precisava de me esforçar. À minha maneira, eu amava aquela mulher.
Ela tinha conduzido em quase toda a auto-estrada e eu tinha aproveitado para, com o banco recostado no máximo, vir a apreciar as nuvens a passar a grande velocidade. Também a minha vida parecia estar a ganhar velocidade e isso assustava-me. Não conseguia deixar de pensar que havia algum propósito em tudo o que me estava a acontecer. Primeiro os sonhos e depois uma série de coincidências que me levavam agora para a Fuzeta.
- Acreditas em coincidências?
- Disparate João, isso lá existe.
Pedi para ser eu a conduzir o resto do trajecto, não queria ver mais nuvens, não queria ver a minha vida a passar-me diante dos olhos. Essa ideia perturbava-me.
Entretive-me a procurar que razões válidas levam uma rapariga solteira, sem necessidade de fazer grandes viagens de automóvel, a comprar um carro daquele tamanho e preço. Por muito menos dinheiro, tinha comprado algo que satisfaria todas as suas necessidades de locomoção.
Subitamente, tive uma ideia: seria para compensar algo? Seria que; tal como certos homens, ela estaria a tentar compensar o tamanho de alguma parte da sua anatomia com o carro que comprou?
Um sorriso esboçou-se nos meus lábios e preparava-me para a provocar com uma pergunta quando ela se adiantou:
- Onde é que a tua mãe foi sepultada? – A pergunta apanhou-me desprevenido. Demorei uns segundos a responder.
- Perguntas bem mas não sei. Nunca me disseram e eu nunca quis saber.
- Lembrei-me disso. Provavelmente ela está na Fuzeta, devíamos ir ao cemitério, não achas? – Leonor falava num tom de voz descontraído, como se perguntasse o que haveríamos de jantar nessa noite. A ideia, a mim, incomodava-me.
- Nunca entrei num cemitério, sabes? Nem mesmo nos funerais dos meus pais adoptivos. Não fui capaz. Lido mal com a morte. – Passámos pela Via Verde da A2, em breve estaríamos na Via do Infante. – Deve ser outro trauma de infância, mas não fui mesmo capaz de ir aos funerais deles e sei que isso caiu muito mal junto da família. Acharam que fui muito ingrato, que não soube reconhecer tudo o que eles tinham feito por mim. Não foi nada disso, claro, mas fiquei com essa fama. A minha relação com eles, que já era pouca, passou a não existir, nunca mais vi ninguém.
- Nunca me tinhas contado isso.
- Não calhou e também não é assunto em que eu goste de tocar.
- Um dos muitos… mas fico contente por o fazeres agora, comigo. Contaste-me isso sem que eu te tivesse que arrancar tudo a ferros, como é costume.
Estas últimas semanas estavam, de facto, cheias de novidades. O que faltaria ainda acontecer?
46 comentários:
Isso queremos nos saber =)
Continuo aqui agarrada a narrativa.
Epa! Quase me cruzava com eles lá por baixo!
é o que queremos todos saber. n nos faças sofrer mto tempo. :-) bjs
...algo de muito bom, espero eu!
estou a adorar.
bjs
a ler... a ler... :)
Um beijo
E se afinal os pais não morreram?? Será??? Hmmmm muito intrigante!!
Estou a gostar imenso :)
Boa semana para ti beijos
meu caro rui fico feliz pelo comentario que me deixou no alcacovas, espero ter opurtunidade de o conhecer melhor pois gosto bastante do que escreve. e já agora um desafio que tal uma historia sobre alcáçovas para o blogue da terra do seu pai. por exemplo aquela do relogio, que eu adorei.
com os melhores cumprimentos
Ricardo Vinagre
Certas pessoas entram nas nossas vidas e têm um poder de as alterar...
Continuo "colada" ao teu blog...
Estou a adorar este João...
Beijo
Só passei para deixar um beijo, a leitura fica para mais tarde.
th
O k falta?!
Sorrisos e beijos
Espero que seja algo de bom
O q falta ainda acontecer, diz-me, DIZ-ME
Coincidências? Não sei, não. Agora que há coisas que não são do acaso, disso não dúvido.
continua!
... Leonor não é a alma gémea de João. Olha a vida de um modo muito mais descomprometido, não deixando de ser prática na maneira de agir e de pensar. Ela é o alento na tentativa de João... a encontar-se consigo próprio.
;-)Bjs
Que PDI??? Isto é fruta fresca... não é verde, mas quase:)
Não precisa de ser nas Termas, mas tb deve interessante...
Referia-me ao tratamento em si...
Beijos
não sei...... mas estás ops! ele está no bom caminho!!! e ainda bem.... senão.. dizia-te como me disseste a mim.. :o) e tens lá uma perguntinha....
qt ao carro.. é pra quem pode! nao me falta nada - agora!finalmente! - mas nao me importava de ver as estrelas nas viagens :o)
BJsss
Um BJ
amor é... um espaço para crescer em liberdade...
Mesmo só para dizer olá. Não dá para te ler assim à pressa e cheia de sono. Beijos!
como sempre...impressionante!
Escreves maravilhosamente bem!
Prendes o leitor!!!
Beijocas!
mistériooo...continua por favor, estamos á espera...
Olá Rui...estou visitando teu blog pela 1* vez e estou adorando te ler...você escreve muito bem ...espero vc no Tok para conhecer um pouco da minha Alma gemea...
"Ele sempre foi um homem muito interessante, gostei dele desde o primeiro instante que o vi...
ou melhor ouvi...ah! nem sei.." vem ler tudo...estou esperando...bjos com Tok de Seda
acredito em coincidencias e no poder da tua criatividade para me teres aqui :) sem perder nada!
beijo
Vim espreitar se já tinha acontecido mais alguma coisa :)
Um beijo
querido rui,
com um dia de avanço, venho desejar-te um bom fim de semana
tudo de bom para ti
beijinhos,
alice
Rui,
Fiz te um pequeno desafio no meu planeta azul. Espero que aceites é por uma boa causa.
Beijos
A história está fantastica , quero continuar ´a descoberta
beijos
... acho mal que o João não tenha ido ao funeral dos pais adoptivos! também não gosto que ele duvide do amor da mãe, adoptiva! se não o amava, porque raio cuidava dele? concordo que é ingrato!
a Leonor vai ter um trabalhão para o tornar uma pessoa decente... palpita-me!
beijo ;)
A autora Maria de São Pedro, a Papiro Editora e a Fnac têm o prazer de convidar V.Exas. a estarem presentes para o lançamento do livro GATO PEDRA no dia 19 de Maio, pelas 19.00h na Fnac - Cascais Shopping.
O perfeito não se comenta, é perfeito
O CALIMERO?!?!?!?!
aaaaaaaaahh!ah!ah!ah!
é melhor ser segredo, não!??!?!
LOOOLLLLLLL
BJss
amor e raiva é mais saudavel que amor e pena ou amor e indiferença, não é? :)
raiva porque quando se ama se espera muito e depois é indigesto o pouco :)
mas raiva sem odio!
Raiva sem mal querer!
sempre bem querer. mesmo que ja nao seja amor :)
e a Fuzeta?
Gosto destas vidas demoradas.
Boa narrativa.
Beijocas
perco-a e acho-a várias vezes ao longo do dia. e da noite. [a cabeça]
é impressão minha ou não gostas do rato Mickey? :)
fico à espera que o bacalhau seja [mais um pouco] desfiado.. :)
Tanta coisa!
Embalas-me!
Hummm... com que mais surpresas narrativas nos irás tu deliciar? ;-)
Bjnhs e bom fds
É bom descobrir as raízes, não ter medo de as enfrentar, melhor então quando alguém que nos ama vai connosco! Este rapaz é um afortunado, sem saber!
Fuzeta. parte de mim existiu por lá...Mereces uma leitura cuidada que é o que estou fazendo.
Abraço com areias da "praia dos tesos"...
Waiting.... :)
Beijinhos :)
no stress :) toda a gente compreende que o bacalhau para estar saboroso, tem que estar de molho qb :)
assim te vejo eu :) de molho na vida!
no stress que o ppl não desiste :)
boa semana de trabalho!
um beijo em forma de estrela!
Van
Não me digas que ainda andas a promover castings para continuar a blogonovela?!
Falhou algum actor?
Se não estivesse tão destreinado ainda fazia uma perninha... mas o reumático...
Boa semana!
fiquei curioso quando vi a minha aldeia ser referenciada na historia da arminda parte v sou de Fai�es e gostava de saber como o outor tem conhecimento desta zona trnsmontana do pais agurdo noticias
eu f�o parte do blog de fai�es quem quiser visitar fica aqui o site
www.faioes.blog.pt
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