Antes da partida para o Algarve, contactei Alberto Cosme, tinha um favor para lhe pedir.
Foi entregue ao Museu Marítimo de Ílhavo valiosa documentação referente a seis décadas de actividade de dois organismos criados pelo Estado Novo e que controlavam o negócio da pesca do bacalhau: a Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau e, mais tarde, o Grémio dos Armadores de Navios de Pesca do Bacalhau. São 140 dossiers com 21.000 declarações para fins de inscrição no Grémio, fotografias, bibliografia variada, listas de navios com apuramento das pescas, recortes de jornais e 60 cartazes de grandes dimensões.
Alberto tinha-me mostrado a ficha de inscrição do meu pai. Dela consta o percurso de cada homem: os navios, as datas, as categorias que cada um ia ocupando na embarcação (moço de convés, verde, pescador, imediato, capitão), os dados pessoais e uma foto. Nela, o meu pai vestia o que seria o seu único fato; estava muito bem penteado e olhava directamente para quem o observasse, nos lábios, um ligeiro sorriso.
Comentei com Alberto que aquele homem, com aquele olhar, devia impor respeito. Teria sido, no seu tempo, um líder.
- Dr. Alberto, fala João Vicente, como vai?
- Olá, estou óptimo, e você, descobriu mais alguma coisa?
- Não, nada, mas decidi ir até à Fuzeta fazer umas perguntas.
- Óptimo, óptimo, isso é fantástico, fico a torcer por si.
- Estou a ligar-lhe porque preciso de um favor seu.
- Diga lá.
- Bom, queria pedir-lhe se, através das fichas de inscrição no Grémio, você me podia dar uns quantos nomes de pescadores que possam ter trabalhado com o meu pai, estado nos mesmos navios… não sei se é viável.
- Vou ver isso, mas não sei se teremos sucesso. O seu pai já estava há uns anos no Aliseo e, como as tripulações tinham tendência a não mudar muito, tiveram todos o mesmo destino. Mas eu vou procurar e envio-lhe por mail cópias das fichas, já as temos digitalizadas.
- Isso seria excelente. Nem sei como lhe agradecer este trabalho todo.
- Não se preocupe com isso, de alguma coisa eu me hei-de lembrar. –Soltou uma sonora gargalhada. – Para já faça-me também um favor.
- Só se não puder.
- Pare de me chamar doutor.
Fiquei a saber que o nome deriva de Fozeta, diminutivo de foz, o que teria tido origem no facto de ali, em tempos idos, ali desaguar um ribeiro. Desconhece-se a data em que ali se terá começado a constituir um aglomerado populacional mas, na época das Descobertas, é conhecida a participação dos seus pescadores nas caravelas dos irmãos Corte-Real, participando assim na descoberta da Terra Nova. Talvez por isso, foram dos primeiros portugueses a aventurarem-se nesses mares para a difícil pesca do bacalhau.
Fiz um brilharete com estas e outras informações durante a viagem. A Leonor estava espantada, via-me interessado. Não o disse, mas sei que estava a adorar cada minuto daquela aventura. Não por ela em si, que não era grande aventura, mas pelas diferenças que ia notando no meu comportamento e que ela atribuía a toda aquela situação.
- Alda das Dores Saraiva? Esse nome não me diz nada. – O responsável pelo cemitério coçava a grande cabeça, cheia de cabelos brancos. Tinha um sotaque algo carregado. – Tem a certeza que ela aqui está sepultada?
- Bom, na verdade, não tenho, julgo que sim, era aqui que ela vivia, foi aqui que morreu.
- Isso foi quando?
- 1969.
- Deixe-me ver no arquivo. – O homem dirigiu-se a um móvel metálico com várias gavetas e abriu a de baixo. De cócoras, ia revolvendo papéis e soltando exclamações imperceptíveis. Após alguns minutos, ergueu-se. – É como lhe digo, não temos cá ninguém sepultado com esse nome.
- Nenhuma Alda?
- Nenhuma Alda!
- Vamos procurar as pessoas das fichas que o Alberto te enviou, João. Vais ver que alguém sabe de alguma coisa.
- Mas não hoje. Estou cansado, vamos procurar um sítio onde passar a noite, só me apetece tomar um longo banho.
Indicaram-nos a Pensão Liberdade. Rejeitei a ideia, pensões e Leonor não combinavam, iríamos ficar a Olhão, mas ela não gostou da minha observação e fez questão de que ficássemos lá instalados. “Só precisa de ter uma casa de banho no quarto e estar asseada”. E estava, o asseio era irrepreensível.
A minha ideia de um banho demorado a dois é que teve que ser abandonada, não cabíamos os dois na banheira, nem com toda a boa vontade do mundo.
- Gosto tanto desta música. – Eu ainda não tinha prestado atenção à música ambiente. Leonor tinha um brilho muito especial nos olhos.
- É Bruce Springsteen, não é? – Perguntei.
- Should I Fall Behind… é uma bonita canção de amor, não achas?
- Sim, ele tem músicas óptimas.
- Queres dançar comigo?
Saímos do restaurante directos para o quarto. Havia em ambos uma necessidade que não podia esperar mais. Fizemos amor como se fosse a primeira vez… como se fosse a última vez, não sei bem. Sei apenas que foi de uma intensidade que eu desconhecia existir. Nunca tinha sentido tanto.
Na Pensão Liberdade, na Fuzeta.
30 comentários:
Quando se pensa que tudo está bem.....pronto lá tens tu que colocar mais emoção na historia!
ehehehhe tou a adorar. continua sim?
bjs
Bah!!! Odeio o to be continued...
Aghghghghghgh!!!! :)
Beijus
Fogo digo eu! Até me assustei. Que coisinha tão romântica, e depois...puff! De volta à realidade e com direito a fogo e tudo!
Mas não me convences a desistir;)
Continuo à espreita para o novo episódio. Este João está a sair-se muito bem...
Beijinho
Olá Rui..passei pra fazer uma visita e conhecer seus posts...agradeço pelo seu comentário ao Tok...gostei dos seus textos e voltarei mais vezes pra te ler ...desejo uma linda semana pra ti ...bjos com Tok de SEDA
querido rui,
fui hoje agradavelmente surpreendida pela tua visita no meu novo e definitivo refúgio...
venho sempre ler-te, sabes... como se as tuas histórias fossem vidas de pessoas minhas vizinhas e precise de vir saber de como vão
espero que me perdoes esta forma de interpretação dos teus textos
oxalá esteja tudo bem contigo
um grande beijinho para ti,
alice
bonita a sintonia de espaço, bonito o romance, bonito a espectativa desesperante :))
Passei para continuar a leitura
beijos
Sabes Rui, posso tratar-te por tu? Gosto de ler os teus escritos...Avivam-me a memoria, tantas vezes fiquei na Pensão Liberdade, tantas vezes me abracei no amor como uma primeira vez..Tantas vezes ficava altas horas da noite com os amigos a tocar musica na praia...A minha Fuseta...das noites de calor e cheiros a flores...
Navegas por sitios que me são fasmiliares e por temas que me dizem muito, Ilhavo, o Museu...A pesca do Bacalhau...Costumo comversar com alguns velhos pescadores...O mar...O mar que amo...
Abraço com sucesso na busca...
Rui, fazes mesmo esses percursos?
(quando muito eu consigo, quando muito, uma sombra da tua autenticidade e mesmo assim fica patente que estou a falar de mim...)
Consegui, finalmente, ler com atenção o texto.
Acho que nem preciso dizer muito mais, já sabes o que penso :)
Aguardo desenvolvimentos, no alvoroço do dia a dia de uma vida demorada ;)
beijo
Paragem arrepiante.
Passou tão rapido e já estou a espera do proximo.
=)
-estas a ver o que faz a Liberdade aos corpos que se entregam? provoca fogo! :)
agora a serio...Rui, tu sabes do que escreves!
desta vez nada de grandes banhos, estamos aqui todos em pulgas!
Beijinho
Van
Fogo isto está a ficar intenso e emocionante
1 abraço
Tanto detalhe, tanto trabalho de pesquisa, e agora um fogo, pronto começou os incendios.
Estou a gostar para variar :)
Um abraço
ai credo homem tu queres-me matar por amor de deus... n nos faças esperar muito, pode ser? desculpa a pressão mas esta coisa do fogo deixou-me assim... em brasa!!! :-) bjs
Vinha aqui todos os dias ver se já havia outro episódio e vou continuar a vir! Estou presa à história...
Esta história está a despertar a curiosidade. Parabéns mais uma vez.
Fogo, que o rapaz não tem mesmo sorte nenhuma! :)
...ó Rui, então incendearam a pensão???????
;)
meu caro o que eu quis dizer com a historia no blog era que tinha o todo o prazer de ver a sua historia aqui publicada devido a ser uma historia de alguem tão nobre da nossa terra que combateu pelo nosso país. um abraço
Caro Rui, então a editora, avança ou não?
Um abraço
Obrigada pela visita!
Adorava ir á gathering mas creio que não vou poder mesmo... Caso a pensar ainda... Vou ver se leio a história do começo ok?
beijo severo..
mmmmmmmm.... isto está a melhorar...
:o)
mas agora... fiquei a pensar... afinala TIANICA será da Foz?!?! ou da Fuzeta ?!? :o)
BJss
cucu ;)
vim retribuir a visita escrita
a leitura está cá dentro... a florir
beijinhos
alice
já foste linkado!!!
Rui,vamos la falar a serio!
O livro quando sai?
Tenho que te ter a noite na cabeceira...
;)
Continua, porque já não passamos sem o fim!!!
beijocas
Não quero ser mais papista que o papa; mas se bem me lembro tinham feito amor antes de adormecerem. Então porque raios é que o fogo só se fez sentir de manhã*?!
* Presumo eu, que fosse de manhã...
Andas a pôr o pessoal com água na boca; viajas com a Leonor para o Algarve em interlúdios apaixonados com Bruce Boss em música de fundo, mas...e a estória? esta investigação anda a preocupar-me...
LOL eu tb andei a tarde toda a cantarolar a "tianica da fuseta"
(as coisas que tu me fazes :P )
Já agora... Ela devia era tê-lo acordado, com uma voz rouca, e dito: "João, tenho um fogo... aqui em baixo" ;)
Beijo
Oi,
Conhecer a Fuzeta...
Melhor ke fazer amor na areia branca da ilha da Fuzeta...ao pôr do sol...já passaram tantos anos...
Sempre valeu a pena os 20m de caminhada p/ lá e mais 20m p/ cá até xegar ao barco.
Com prazer descobri a Fuzeta e a redescobri todos os anos seguintes.
Era perfeita à 20 anos atrás.
Hj é positivamente diferente do caus Algarvio.
Não vão lá p.f.
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