- Estou?
- Sim, quem fala?
- Sou eu, pá, o Pai Natal.
- Ah, olá Pai Natal. Deixe-me aqui tirar o som ao televisor…
- Estavas a ver o quê?
- Nada de especial, estava a ver a Arlinda a abandonar a Base.
- Também vês essas merdas, pá?
- Naaa, estava a fazer zapping quando vi a Arlinda a bater continência a um gajo de microfone na mão. Fiquei a ver. Mas deixe lá isso, conte-me como vão as coisas por aí.
- Mal, pá. Vão mal.
- Então, que se passa?
- Ora, o que é que se havia de passar, estamos no Natal!
- Pois, imagino que deva estar caótico.
- Caótico é em Agosto quando chego da praia, nesta altura nem há palavras para descrever isto, pá.
- Maldita invenção esta do natal.
- Podes crer, se eu soubesse que ia dar nisto, nunca tinha aceite esta brincadeira.
- Mas você não tem aí muita ajuda?
- Sabes lá o que é ser ajudado por Duendes, Elfos e Gnomos… estes gajos não se gramam uns aos outros, é só chatices, só queixas, só lamentações, pá. Os Elfos não podem ver os Gnomos, estes boicotam o trabalho dos Duendes, e estes só sabem é chatear as Renas. É de dar em doido, pá.
- E você não dá um murro na mesa?
- Eu atirei foi com a mesa ao ar! Ameacei-os com despedimento colectivo. Eles que vão trabalhar para Holywood, que fiquem lá à espera de mais filmes em que os da raça deles entrem. Mas que esperem sentados! Lá porque houve uns filmes em que entraram, devem pensar que todos os anos há mais. Eu bem lhes disse que aqui, pelo menos, era garantido: Natal há todos os anos, já filmes…
- E eles?
- Os sacanas na altura não disseram nada, meteram as orelhongas nos barretes e deram meia volta. No dia seguinte aparecem-me aqui uns quantos, auto-intitulados “comissão de trabalhadores” e ameaçaram que iam criar um sindicato! Tu já viste isto, pá?
- Um sindicato?
- Um sindicato, pá. Já tinham nome e tudo. Esta malta das criaturas dos contos de fadas não bate bem, tu repara nisto: Sindicato dos Técnicos Operadores de Natal E Diversos. Nem dá para acreditar.
- Você tem que ter calma, olhe a sua tensão. Você já não é novo.
- Qual tensão, pá. Esta cambada dá é cabo da cabeça de um santo.
(em fundo, ouve-se uma música: “eu sou e serei, coração, coração sem dono… não me quero prender a ninguém, ainda é cedo para me entregar, quero viver o que a vida tem, um dia mais tarde se verá… quero o peito livre pra voar e a mente solta pra curtir, o meu coração a palpitar, durante muitos anos sempre assim… porque eu sou e serei, coração, coração sem dono…”)
- Que música é essa, pá?
- É a TVI, a Ruth Marlene está a cantar.
- A Ruth… no outro dia via-a a fazer flexões. Deixa cá ver se ela já pediu alguma coisa ao Pai Natal…
- Veja lá.
- Não tenho cá nada em nome de Ruth… ou de Rute Marlene.
- Ainda não teve tempo, anda muito ocupada na guerra.
- Mas olha que os portugueses são quase sempre os primeiros a pedir. Logo em Outubro recebi daí os primeiros pedidos.
- Gente ansiosa, por certo.
- Pareciam, sim. Bom, os quatro primeiros, pelo menos.
- Pediram o quê?
- O primeiro pedido a chegar foi do menino Mário, explicava-me que já não tinha idade para escrever ao Pai Natal, mas que o fazia porque não pedia só para ele, que o que queria era para o bem comum, etc. Enfim, uma ladainha para me pedir um Tacho. Achei muito estranho tanta coisa por causa de um simples Tacho.
- Não é um tacho qualquer, Pai Natal, é um Tacho muito apetecível.
- Percebi isso nos dias seguintes, pá. Então não é que o menino Manuel, logo no dia seguinte, me escreve a pedir desculpa por já não me escrever há muito tempo, mas que tem escrito outras coisas e que depois não tem tempo nem para uma carta. Pedia ainda que, caso eu já tivesse recebido um pedido igual do seu grande ex-amigo Mário, o ignorasse, porque era ele, menino Manuel que tinha direito a o Tacho, que o Mário já tinha tido o dele.
- São piores que as crianças…
- Depois foi o menino Chico a pedir-me o Tacho. Que me achava um bocado capitalista e ao serviço do grande capital e por isso não me tem escrito, mas que, este ano, excepcionalmente, contava comigo, com a minha reflexão ponderada de homem vivido para me passar para o lado dos oprimidos, dos que têm pouco, das vitimas dos barões que controlam esse tal capital. Que eu podia começar por lhe dar acesso ao Tacho.
- Não me diga que o menino Jerónimo também lhe escreveu.
- Escreveu, pá! Que era a primeira vez que o fazia, que antes os seus camaradas lhe confiscavam o selo e a carta para o Pai Natal e que por isso nunca tinha conseguido. Mas que sempre me achou piada, vestido assim de vermelho, a viver no meio da neve; que isso o lembrava da Sibéria, dos trabalhadores que para lá iam trabalhar para o bem dos outros camaradas. Que no fundo eu era um símbolo do operariado. Concluía dizendo que também ele queria ajudar os outros, mas que para isso precisava do tacho. Vou-te contar, pá, já mandei investigar que raio de Tacho é esse que eu também o quero oferecer à Mãe Natal.
- Não recebeu nenhum pedido do menino Aníbal?
- Aníbal? Não me recordo, mas deixa-me consultar a base de dados.
- Veja lá isso, agora estou curioso.
- De facto, há aqui uma carta do menino Aníbal, mas não pede nada ao Pai Natal. São só duas linhas, diz ele que não quer escrever muito para não se prejudicar, que o ano lhe correu bem e que vai acabar melhor, que não tem nada para me pedir, que o Tacho já é dele. Despede-se desejando-me um bom Natal.
- O menino Aníbal é muito sabido. Tem o Bolo Rei na barriga, é o que é.
- Parece que isso anda muito animado por aí neste Natal.
- Nem queira saber. É a corrida ao Tacho, às compras e foi também a abertura da época de transferências religiosas.
- Hã, que é isso, pá?
- É muito parecido com a reabertura do mercado futebolístico agora em Janeiro. É a altura em que se volta a poder negociar o passe dos jogadores entre clubes. Neste caso, tem a ver com a mudança de paróquia por parte de alguns padres. Há sempre polémica com a decisão de algum bispo iluminado que, quando percebe que a população local gosta do padre e até vai à missa, trata logo de o transferir. Cá para mim, os bispos são como os empresários de futebol, devem ganhar à comissão com as transferências que fazem.
- O que passará pela ideia dessa gente…
- É mistério insondável, mas este ano a transferência do padre Luís António de Ranhados para Sendim, deu mais que falar que a transferência do Figo do Barcelona para o Real Madrid.
- E como acabou isso?
- Ora, no fim-de-semana passado não houve missa nem em Ranhados nem em Sendim. Parece que ficaram todos a perder.
- É sempre o mesmo… pá, agora tenho de ir, a Mãe Natal está a chamar-me. Vai começar o AB… Sexo.
- Grandes malucos que vocês são.
- Curiosidade cientifica, apenas.
- Sim, claro. Pai Natal…
- Diz lá depressa.
- Cuidado com a distribuição de prendas este ano, não vá o trenó ser confundido com uma avião da CIA. E feliz Natal para si também.