Fez questão de estar à porta do bar para receber pessoalmente os seus convidados. Por quatro vezes o fez, acompanhando-os à mesa – uma em cada canto da sala -, aproveitou para, resumidamente, lhes relembrar o que ia acontecer.
Era ainda cedo quando o último convidado se sentou no seu sofá, acompanhado por duas meninas que o iam entreter até ao momento certo. Pretendia-se evitar a confusão habitual dos sábados à noite.
Após o espanto inicial, um burburinho instalou-se. Todos queriam saber quem era aquela miúda.
Ao longe, o patrão fez um ligeiro movimento com a cabeça e Madame Biju indicou a primeira mesa a Arminda. Aí chegadas, como que a entregou ao patrão que, por sua vez, a apresentou ao homem, envolto numa nuvem de fumo de charuto. Este, com um gesto, dispensou as acompanhantes que, ao passarem pela rapariga, lançaram-lhe um olhar penetrante e frio.
Com um sorriso, convidou-a a sentar.
Foi assim em todas as mesas e nenhum dos homens se importou. Aliás, a inocência e timidez da rapariga eram de tal maneira genuínas, que isso só lhes aguçou ainda mais o desejo. Nunca como daquela vez, a oferta lhes agradou tanto.
Menos de uma hora depois, Arminda subiu ao quarto acompanhada por Madame Biju. O patrão passou por cada mesa recolhendo, em cada uma delas, uma folha dobrada. Nela, o valor que cada um dos homens estava disposto a pagar para serem os primeiros daquela rapariga.
Casado, com seis filhos, era um latifundiário abastado, ligado à criação de gado e bem relacionado com o governo Franquista. Estava habituado a ter o que queria.
Acertada a transacção, Don Camilo subiu. Aos concorrentes perdedores, o patrão ofereceu a companhia de duas raparigas a cada um. À vossa escolha! Oferta da casa! Aquela noite estava a correr-lhe bem.
Nunca antes tinha rezado, na verdade, nem sabia como se fazia tal coisa mas, se aquela era uma noite para primeiras vezes, mal não podia fazer.
A porta entreabriu-se e Madame Biju espreitou, fazendo sinal para que ela se levantasse.
Era um homem já de idade, cabelo todo branco, sorriso largo mas amarelo, de milhares de havanos queimados. Era uns bons dois palmos mais baixo que ela. Percebia-se que era um homem de força, quer física quer de vontade.
Desapertou o nó da gravata e depois o colete.
Arminda sentiu as tripas embrulharem-se. Uma fragrância de perfume floral vinda da pele desnudada dele chegou-lhe às narinas, o que a obrigou a fechar a boca com força.
Don Camilo baixou as calças, ficando de cuecas e meias, presas junto aos joelhos por elásticos. Aproximou-se dela.
Ele tentava desesperadamente desabotoar-lhe o vestido enquanto lhe passava a língua pela cara. Estava descontrolado, ofegava muito e babava-se, molhando-a toda. Arminda colocou as mãos nos ombros dele e tentou afastá-lo, mas sem sucesso.
O vestido caiu, por fim.
Por fim, prendeu-lhe os braços debaixo das suas mãos e fitou-a nos olhos.
A partir daí, ela perdeu a noção do tempo e do espaço. Terá desmaiado, pelo menos é isso que lhe parece. Não se recorda de mais nada, apenas de voltar a si, deitada na cama e olhar para a ventoinha que rodopiava lentamente sobre a sua cabeça.
Um cheiro nauseabundo fê-la erguer-se. Ao lado da almofada e no chão, um rasto de vomitado. Entre as pernas uma poça de sangue ensopava os lençóis. Estava dorida, moída, todo o corpo lhe doía.
O vestido, atirado para um canto e todo amarfanhado pareceu-lhe, também ele, uma imensa poça de sangue.
Não foi capaz de se mover, encostou-se à parede e chorou para dentro. O seu corpo nada mais tinha para dar.
Teve outros homens, mas sempre como oferta do ganadero a amigos e parceiros de negócio. Por várias vezes foi para a cama com outras raparigas, coisa que o velho apreciava particularmente. E, uma vez por mês, deslocava-se com outras mulheres da Bodeguita e de outros estabelecimentos idênticos, à quinta de Don Camilo para participar numa festa que, invariavelmente, terminava numa orgia.
Era nessas ocasiões que aproveitava para falar um pouco com algumas dessas raparigas. As histórias, apercebia-se, não variavam muito; o pano de fundo era sempre a miséria, o atraso, o abandono familiar, as ilusões desfeitas. Todas se tinham tornado mulheres muito depressa e nenhuma o era, verdadeiramente, ainda.
Uma frase de uma rapariga espanhola, com quem Arminda mais falava, ficou-lhe gravada na memória: - Somos carne, Roxanne… solamente carne.
Numa dessas noites, preparava-se para pedir licença a Don Camilo para ir ao quarto refrescar-se, quando viu entrar uma figura conhecida. Deixou-se ficar.
O homem sentou-se com os amigos, riam à gargalhada, fazendo-se notar.
Ela nada disse, levantou-se e, agarrando no grande e pesado cinzeiro que estava no centro da mesa, atravessou a pista de dança em passadas largas e decididas. Junto ao homem, que não se apercebera da sua presença, ergueu o cinzeiro bem alto. Alertado pelas expressões de espanto dos companheiros, o homem voltou-se no preciso momento em que o cinzeiro descia a grande velocidade na direcção da sua cabeça.
O impacto foi tremendo. O som abafado de osso a estilhaçar ouviu-se pela sala. Laureano cuspiu um jacto de sangue e três dentes caíram-lhe por entre os lábios flácidos. Dobrou-se para a frente, inanimado, ficando de joelhos no chão e com a cabeça e o peito em cima da mesa. A expressão, a de quem não tinha percebido o que lhe tinha acontecido.
Arminda levantou de novo o cinzeiro e preparava-se para atingir de novo Laureano, quando uma mão lhe segurou no pulso. Albertino estava atrás dela. Já chegava.
Cuspiu para cima do corpo ensanguentado e abandonou a sala. Ao fundo, o patrão engoliu em seco.
Apesar de ficar a pouco mais de 30 kms, a viagem até à herdade demorava sempre mais de uma hora – culpa das más estradas, da pouca capacidade do automóvel e, principalmente, da pouca habilidade de Natalino para a condução.
Arminda pedia sempre que ele ligasse o rádio. Gostava de ir a olhar pela janela enquanto cantarolava as músicas que tocavam. Não percebia as palavras, eram quase sempre em estrangeiro mas, para si, isso não importava, inventava a letra… o importante era cantar.
Natalino vociferou a plenos pulmões umas quantas asneiras e o automóvel deteve-se num descampado.
Letícia e Natasha acenderam cada uma o seu cigarro, indiferentes ao que se passava.
- Isso, deixem-se estar, não se incomodem. – Disse ele com desdém.
- Sim filho, deves estar à espera que eu te ajude e cague a roupa toda. – Respondeu-lhe Letícia.
- Putas…
Natalino bateu com a cara no pneu que retirava e estatelou-se no chão sem proferir um som.
Letícia e Natasha, de boca aberta e cigarro a arder entre os dedos, olhavam Arminda que, segurando uma enorme pedra entre as mãos, tentava controlar a respiração.
16 comentários:
corre Arminda corre....
Bjs. Jaqui ;-)
Grande Arminda..... é assim mesmo! Mas conhecendo o autor, será que ela n vai ser apanhada????? hummmm n sei nao....
bj ruizinho
É assim mesmo, rapariga.Tomar na mão as rédeas da vida.
BOOOOOOOOOAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!! Confesso que a primeira parte me meteu um nojo do cacete aquele velho nojento coitadinha da Arminda... Mas gostei, 2 em 1, porrada nesses fdp!!! Lindo Rui, continua em grande! bjs
Mulheres feitas fortes... a construção da tua personagem é espetacular...
O que podemos fazer numa situação de desespero? Nem nós sabemos.
Muito bom, como sempre. bjinho
Cada vez mais adoro a tua escrita, a visita ao teu blog faz parte da minha rotina diária. Tanto tempo sem publicares nada é esquecido/"perdoado" perante a beleza dos teus textos.
Bjnhs
Corre Arminda corre, parece que ainda existe uns bilhetes para a Final Antecipada.
:)
Venho aqui protestar veementemente contra a forma como a pobre Renault 4 é tratada! "da pouca capacidade do automóvel" Um maquinão daqueles! Ai se o meu amigo Luís resolve ler esta tua história...
:)
Vim por a leitura em dia meu amigo Rui, e devo confessar-te que continuo encantada com a forma como escreves, e nos envolves na leitura...
Deixo-te um beijo com carinho...
Como a Isa disse, a primeira parte meteu um nojo dos diabos! Mas tinha mesmo que meter, não fosse ela deixar de pensar em esmigalhar a cabeça do sacana do Laureano!... E agora?... Que mais vai olhar Arminda?...
keep on running... mas será que consegue fugir de si própria e das marcas que já lhe foram inculcadas???
veremos! beijo ;)
Tal como o Dani também venho protestar!!!
Olha lá... desde quando é que a R4 é um veiculo com "pouca capacidade"??? :P
Havias de ver a minha a "voar" a 140Km/h ou a circular carregadinha de tijoleira! ;)
Qualquer dia pego no meu "maquinão burmelho" e faço-te a folha!! Bais ber!! :P
Beijo para ti ;)
P.S. - Se a Arminda precisar de uma boleia, já sabes ;)
Meu Deus!!! Este texto é um murro no estômago!
Acho que já tinha dito mas, escreves muito bem!
Beijinhos!
Já te disse como fico presa ao que escreves sem conseguir libertar-me? Sem querer libertar-me...
confesso...vais ser impresso, caso contrário não consigo ler...
beijos
Fantástica, a história da Arminda.
Excelente, Rui.
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