Entre o Natal e o Ano Novo quase tive uma recaída. Dei por mim, sem saber como, em frente à tasca do Abílio. Foi como se tivesse acordado lá. Felizmente, alguma coisa me fez voltar para trás.
Eu disse, ali em cima, que alguma coisa impediu que me enfrascasse mais uma vez. Na verdade, eu sem muito bem o que foi: foi a tua mãe, Patrícia, foi ela! Ela apareceu-me! Que Deus me castigue se te estou a mentir.
Ela sorriu-me. Não me disse nada, não foi preciso. Percebi bem o que ela me queria dizer: que não podia ali entrar, se o fizesse arruinava de vez a minha vida e te perdia para sempre.
Sei que não me achas digno de falar dela, e talvez tenhas razão; eu sei aquilo por que as fiz passar, mas eu precisava de contar isto a alguém… e tinha que ser a ti.
Chorei baba e ranho no fim-de-semana passado, a ver-te, ao longe, junto à campa dela. Os malmequeres eram lindos.
Quero muito estar enganado. Vai ser duro para mim ficar longe, sem te ver, sem saber com quem te dás. Eu sei que não fazes ideia nenhuma disto, mas não é por mal que o faço, é por gostar de ti – acredita quando te digo que mudei, que sou outro.
Sei que nunca fui bom pai e que há coisas que não se recuperam, há tempo que não volta atrás, mas que diabo, acho que me tenho portado bem e que merecia uma palavra tua.
(…)
Fizeste muito bem em deixar aquele panhonha do Adolfo. Ser cantor de um conjunto que só faz barulho, não é vida para ninguém. Ele que acabe o curso de Direito e ganha juízo, que cantor nunca vai ser. Aquilo são só grunhidos, que raio de voz é aquela?
(…)
Era a última recordação boa que tinha do pai: o dia em que ele lhe tinha construído o baloiço.
- Vês estes nós? Nem daqui a 50 anos estas cordas vão sair daqui.
Tinham pintado uma meia-lua na madeira do assento e, nessa tarde, o pai tinha-a empurrado aquilo que lhe pareceu serem horas infinitas.
Interrogava-se agora sobre o que tinha acontecido aquele homem, que tinha sido capaz de demonstrar aquele amor por si. Queria muito ter uma resposta para essa pergunta.
Queria, também, ter a certeza que tinha feito bem ao cortar todos os laços com o pai. A dúvida persistia. Queria encontrar a resposta naquelas cartas.
18 comentários:
Eu sei que a coisa se está a arrastar. Desta vez optei por publicar partes mais pequenas.
Prometo publicar com mais frequência.
Não está nada... pelo contráro, aumenta a trama e o suspense.
Tb te queria dizer que estás a escrever cada vez melhor e que este conto está soberbo, repleto de pormenores que fazem o leitor imaginar e visualizar a cena.
Juro que vi o baloiço a balançar ... è certo que tb tive um colocado pelo meu pai, com uma corda grossa e cheio de nós. Felizmente, não foi a ultima recordação boa.
A Patricia andou com o Adolfo Luxuria Canibal? ena ena
Aposto que se conheceram algures no Hotel Hessischer Hof.
venha mais
Um abraço
Aha! Finalmente descobri de onde vinha toda aquela amargura latente, nas letras que aquele senhor escreve para os Mão Morta! :)
Mais uma vez, parabéns!
Às vezes, mesmo quando gostamos muito de alguém, há motivos que nos levam a precisar de distância.
Mas nunca se sabe se fazemos as opções certas, não é?
mmmmmm... só espero que ela vá a tempo de corrigir... nem que tenho sido "bem"... pq agora já não é, pois não!??! senao ela nao pensava assim...
BJs
Pelo menos há pais que mesmo passado algum tempo descobrem os erros que cometeram....
Quem me dera receber uma carta do meu...
....Quem me dera saber perdoá-lo..
Beijo Rui
Penso que tudo vale a pena quando a alma não é pequena...e às vezes gostava que quem ficou para trás tivesse a coragem de me dirigir algumas linhas e abrir o coração. Mas creio que isso é um gesto dos audazes, daqueles que amam realmente, sejam pais, mães, amantes, amigos...Aguardo atentamente a continuação ou o final! ;) Beijos
Rui sou eu novamente. Obrigado pelo teu comentário no meu So Um Olhar. Deixei-te lá uma resposta ;)
Paty
Estou presa a esta história... demasiado presa.
É fantástica a forma como escreves e prendes quem te lê. É impossível ficar indiferente.
Eu fico ansiosa à espera do que se segue.
*a_mais_fofa*
Será que a psicanálise explica?
Angustiante.
é um verdadeiro vício ler-te!
Este texto prendeu-me, angustiou-me e fez-me ficar a pensar...
ps: Adolfo Luxuria Canibal?
Rui, isto agora não tem nada a ver, mas quem vai limpar o fogão FUI eu! E olha quem eu não sou a Maria da história...
Perguntarás e bem, quem é o moço. pois... um danado dum sortudo!
Continuo a ler com muito gosto e as emoções também continuam presentes. Embora esta vivência seja tão diferente da minha, há qualquer coisa que lhes é comum, ou tão diametralmente oposta, que as junta.
Ela nunca perdoou o Pai? Eles nunca mais se viram? Ela foi para Lisboa e nunca mais o pai soube nada dela?
Que angústia Rui, diz-me que isto tm um final feliz, pleasseeeeeeee....
bj
A Patrícia está tão interessada em encontrar uma resposta para o que levou o pai a tornar-se um alcoólico, como eu... e como os outros teus leitores, pelos vistos...
... felizmente que aqui não usas o expediente, de nos intervalos entre posts, colocares publicidade...
:)...
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