Mais do que os constantes solavancos, era uma indescritível mistura de cheiros que estava a deixar Arminda enjoada. A cabine da camioneta tresandava a suor e a gasóleo mal queimado. Abrir a janela tinha-se revelado uma tarefa impossível, o vidro há muito que não baixava.
Se a principio ainda tentou responder às constantes observações e perguntas parvas de Laureano, ao fim de uma hora de viagem passou apenas a emitir uns sons guturais sempre que ele lhe dirigia a palavra. Tinha medo que, se abrisse a boca, vomitaria imediatamente.
- Hum?
- Uh… vamos fazer uma paragem… o tipo de quem te falei vai estar à nossa espera ali adiante.
Fixou o olhar na estrada à sua frente e tentou recordar a conversa, três meses antes, que a fazia estar ali.
Laureano tinha-lhe levado chocolates dessa vez. Ela estranhara a oferta, mas depois percebeu a razão. Era uma ocasião especial.
- Tu já fizeste 18 anos, já és maior… não achas que está na altura de sair deste buraco? Não gostavas de ir viver para a cidade? Não foste feita para ficar aqui, esquecida… - Estavam, mais uma vez, atrás da igreja, a tentar passar despercebidos.
- Que diz vossemecê?
- Eu conheço umas pessoas… sabes, um senhor, rico… com negócios lá fora. Ele ajuda pessoas a emigrar… er… quer dizer, se fosse isso que quisesses. De certeza que ele podia ajudar uma rapariga bonita como tu a arranjar um trabalho bom. Com esse corpo…
- A minha mãe não ia deixar.
- Não ia, não ia… eu sei… mas se tu lhe dissesses que ias ter com alguém de confiança…
- Como se vossemecê fosse de confiança. – Interrompeu Arminda.
- Oh, comigo não… tinhas de inventar uma história… e eu sei que se quiseres, és capaz disso. Alguém que te ajudaria lá…
- Sou muito nova.
- Isso é bom… olha, podias até aparecer nas revistas. Este senhor conhece muitas pessoas das revistas, podia levar-te às festas…
* * *
- Cabrona, pá! – O grito de Laureano trouxe Arminda de volta. As palavras negócio e confiança, matraqueavam-lhe o pensamento.
Durante muito tempo não tinha dado esperanças a Laureano, recusara sempre o seu plano. Até que, há duas semanas, na última visita dele antes de ir sozinho a Bragança, lhe tinha dito que aceitava, iria para o Porto – isto apesar de a decisão a ter tomado logo no primeiro dia.
Antes, nunca pensara naquela aventura como um negócio - que Laureano não era de confiança, isso sabia.
Pela primeira vez, questionou a sua decisão.
- Perto de Chaves. O senhor de quem te falei vem aqui ter. – Laureano parecia nervoso. – Vou mijar. – E desapareceu atrás de uns arbustos.
Arminda reparou nos casebres da aldeia, eram feios e tristes. Não ia gostar de ali viver, pensou.
Um carro preto, grande, que vinha em sentido contrário, atravessou a estrada e, levantando uma nuvem de pó, parou à frente da camioneta. Laureano aproximou-se imediatamente, olhando para Arminda com uma expressão que queria dizer não saias daí.
A porta de trás do carro abriu-se e um homem alto, de óculos escuros e fato, saiu. Tinha um ar distinto. O cabelo grisalho, penteado para trás e a maneira como se movia, poupando todos os movimentos supérfluos, conferia-lhe uma pose igual à dos homens que Arminda via nas revistas.
Laureano estendeu-lhe a mão mas o gesto foi ignorado.
- Tem bom ar. – Respondeu o homem depois de a mirar. - É saudável?
- É moça do campo, bem alimentada, não vê o tamanho dela, é quase da sua altura… aquelas pernas… - estremecia sempre que pensava nas pernas dela.
- Sim, parece que desta vez não fizeste borrada. De certeza que ela ainda é…
- Oh sim, sim, como lhe prometi, ela nunca saiu da aldeia… você vai poder confirmar por si…
- Toma lá. – Interrompeu-o o homem. Tirou um rolo de notas do bolso e entregou vinte contos a Laureano. – Como combinado. – Os olhos do vendedor brilharam. – E agora põe-te a mexer.
Num cruzamento próximo, tomaram a direcção de Espanha.
21 comentários:
Ai que esta história não me cheira nada bem...!!! By the way...faz me lembrar um livro do paulo coelho, uma história muito triste. Ai que não aguento o suspense...como irá continuar??!!! ;) beijos
... engraçado que cada um destes episódios faz-me lembrar os "Onze Minutos" do Paulo Coelho, tenho pena de todas as "Armindas" que correm atrás de sonhos que se desfazem no ar.
Rui beijinhos grandes da Jaqui ;-)
Encaro as referências ao Paulo como um elogio. :)
Nunca o li.
ohhh rui, tadinha da Arminda!
O roçar dos lábios...
A língua no canto, passeando, explorando...
As palavras suaves, serenas, tão cheias de amor.
São momentos de êxtase...
Que trago comigo, guardados, sentidos...
O roçar, o apalpar, o gemer...
O sussurrar no ouvido...
a barba a roçar...
o olhar no olhar...
a vontade latente...
explodindo em nos...
querendo muito mais...
explorando os momentos anteriores..
ao acto final....
Curtindo..sentindo...cada pedaço...
cada gesto...um olhar...um molhar de lábios
um passear pelo corpo... uma paradinha aqui...
outra ali, mais longa, demorada e subtil...
Um sorriso nos lábios e no olhar...
O calor do rosto, que subiu pelo corpo,
e está pronto a explodir...
O latejar vagaroso dos corpos se amando..
sem mais esperar...
Tu é mau!
ai bailha-me deuzzz coitadita da piquena... bjs
Hummmm... tenho um palpite que esse homem distinto é o pai dela ou familiar.E se lhe faz lembrar alguém... :-)
Bem, venha o resto ;-)
Bjnhs
Tenho lido sem comentar esperando o final =P
Beijos com sorrisos
Que disse eu? Tivesse a Francelina uma relação diferente, para aconselhar e acautelar a filha...
e pronto!!!!
De Espanha nem bom vento nem bom casamento...
Fico à espera do VI :)
Ainda acabada de chegar e sem ter tempo de ler tudo tinha de dizer que já gostei...
Calma ok, só vão comprar caramelos.
... claro que é um elogio ;-)
Bjs. Jaqui
PS.: hehehheheheeh X(chiquinho) sempre optimista.
Escreves mesmo muito bem!
Esta história prende-nos e esta é uma das maiores vantagens que pode ter uma história.
Adoro os teus diálogos. Invejo-lhes a naturalidade.
Um beijo
Por muito que eu queira....é demasiado para resistir a Lisboa!
Um beijo
Vim deixar um Sorriso :o) Que grande bênção é um sorriso presente no ser humano. Um gesto tão pequenino breve ou mesmo contínuo, que vai se propagando como suave hino! Um sorriso espanta a dor e a todos contagia. Um sorriso é como o amor que nos enche de alegria. Um sorriso faz milagres,deixa a vida bem melhor. Cura até nossos ataques quando estamos na pior. Um sorriso gera a luz,aumentando a esperança. E os efeitos que produz nos faz virar crianças. Por isso sempre agradeço a Deus, de coração este dom que não tem preço e que é pura emoção!
beijinhoooo bommmm
é nestes contextos de simplicidade e ingenuidade que se recrutam os 1000 portugueses que desaparecem por ano, sem deixar rasto...
ai Rui, talvez lhe valha o olhar frio
;)
... e a velocidade a que o Albertino ia, quase não me permitia fazer o comentário neste capítulo! Pede lá ao sujeito para cumprir o código no que toca à máxima...
Até este post pensei q estava a ler algo do tipo 'Torga revisitado'...
Superb!
LD
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