A moldura de madeira foi montada e decorada pela mãe de Deolinda. Pintou-a de cor-de-rosa, desenhou-lhe vários vasos com malmequeres, um pequeno urso de pelúcia e, no canto inferior direito, um bouquet de flores. Colou-lhe ainda uma pequeníssima camisola em renda, feita por si, também em cor-de-rosa. O significado de tanto “rococó” – termo com que Joaquim se referiu à decoração da moldura –, explicou ao genro, era o espelho da felicidade que ela sentia por os ver felizes; a eles que eram “tão fofinhos” – o que provocou um esgar à filha.
Está colocada em cima do aquário grande – agora vazio –, junto à porta de entrada. Na fotografia que exibe, pode ver-se por entre a fina neblina que se libertava da grelha, uma Deolinda com cara de tomate, lábio inferior esticado, enquanto sopra a franja – originando um tufo capilar à Tintim – dedo indicador direito apontado à objectiva e o seu marido, já sem casaco e gravata, braço por cima da mulher, olhos cerrados e lábios repenicados, a aproximar-se da sua bochecha vermelha. Tudo sobre uma sucessão de azulejos, em vários tons de verde, com grandes círculos, onde o flash se reflecte, dando à cena e aos personagens, um ar surreal.
Dona Jesuína jamais seria capaz de o admitir fosse a quem fosse – e sempre que se lembrava disso, cantava uma canção bem alto – mas o cor-de-rosa e tanto “rococó”, eram uma tentativa de disfarçar o que lhe parecia a imagem de um pesadelo inevitável.
– Vá, façam um sorriso, meus pombinhos lindos – disse a mãe da noiva, sorridente. – Ainda não tirámos fotografias.
– Sogrinha linda, só um bocadinho – Joaquim tirou a gravata, passou o braço pelas costas de Deolinda e preparou-se para lhe dar um beijo na bochecha quente, enquanto ela soprava os cabelos que teimavam em tapar-lhe a vista. Ia contrariar a mãe quando o flash a cegou, ao mesmo tempo que um par de lábios apertados lhe comprimiu a face.
– Mãe… – rangeu os dentes e passou as costas da mão pela cara.
– Olhe, o senhor desculpe – Jesuína agarrou o empregado da Valenciana pelo braço, quase fazendo com que ele deixasse cair as bandejas de frango com batatas e de salada que transportava em precário equilíbrio. – Vai ter que nos tirar uma foto a todos.
– Com certeza, minha senhora, mas antes, tem de me soltar – gordas gotas de suor escorriam da têmpora do homem, indo cair na salada mista.
– Aquela alface vai chegar salgada, à mesa – disse Deolinda entre dentes, esboçando o primeiro sorriso do dia.
18 comentários:
... o que será que irá acontecer quando chegar a altura de irem para a cama?!?!
Não fossem as Amoreiras e o Frango da Guia, e eu diria que estávamos num filme do Vasco Santana ;)
*
Isso dos azulejos, foi mencionado pelo Jardim (da Madeira). Ele disse que são da autoria do Sócrates...
(e esta azia, que não passa...)
bom, sempre resolve o problema dos galheteiros e saleiro e pimenteiro que estas novas normas irritantemente determinam...
mas memso assim.... baghhhhh
Maus princípios para bons fins?... veremos...
Continuo em suspenso...
Deliciosos, os pormenores..
Verdes, pálidos, secos.
Ao contrario desta narrativa cada vez mais viva e suco...lenta:)
Fico em modo "pause" aguardando por mais...
:))))
Não há casamento que resista a tanta desgraça... Até os azulejos! Estou a imaginar as fotos com esse fundo... eu odeio fotos de casamento de qualquer forma, mas com azulejos... :))
este casamento é todo ele uma fotografia :)
Ora viva senhor Rui! Bem disposto como sempre! Já me ri e muito com estes seus 3 últimos textos. Estão fabulosos. Você leva jeito para a a coisa. Estou certa, como se diz ai por cima, que a noite de núpcias virá, e eu aguardo-a com ternura e com alguns requintes de malvadez, confesso!
Obrigada pela visita ao amarelo. sabe que os senhores, estavam mesmo era a querer festa da grossa, que nem fruta levaram...! lol
Um abraço. Até breve. Azul.
Ora viva senhor Rui! Bem disposto como sempre! Já me ri e muito com estes seus 3 últimos textos. Estão fabulosos. Você leva jeito para a a coisa. Estou certa, como se diz ai por cima, que a noite de núpcias virá, e eu aguardo-a com ternura e com alguns requintes de malvadez, confesso!
Obrigada pela visita ao amarelo. sabe que os senhores, estavam mesmo era a querer festa da grossa, que nem fruta levaram...! lol
Um abraço. Até breve. Azul.
Juraram ser felizes para sempre e, estou certo disso, sê-lo-ão. Mas não vai ser fácil para noivo. Não vai, não!
Esta Deolinda! se não fosse tão caricata tornava-se uma mulherzinha muito irritante!
Pobre noivo! Sempre a esforçar-se para que tudo corra bem! Durante quanto tempo irá ele aguentar? Cá estarei para ver.
Fantástico!
P.
E não ter o Joaquim pegado num garfo feito um ar ameaçador como quem se preparava para a espetar... já ela teve muita sorte!
olha, azulejos sobre azulejos e...
salada temperada a suor
tudo juntinho e duma
só vez...
felicidade sobre felicidade
ex acta mente; !! :)
beijO
e a ideia de ser feliz
... fatalmente! :)
mas onde é que estava a ASAE nesse dia?
:))))
vou ao próximo
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