Impedidas pelo rubro circulo controlador, filas de cansaço aguardam a vez de se mover. O sol chega de lado e aleija. Quem pode, cerca-se de ar arrefecido, os outros, resignam-se a baixar janelas, convidando a escassa brisa a aliviar-lhes a dor.
A buzina, estridente e demorada, dá sinal da impaciência reinante: à flor da pele, suor e nervos dançam, num enlevo que ameaça tornar-se explosivo a todo o momento.
No invólucro ardente que nos devolve a casa – à ilusória esperança do descanso –, os vidros sujos são o nosso filtro da realidade, com os quais nos precavemos da essência das coisas. Os significados ficam de fora, ninguém quer saber! Não aquela hora, não naquele lugar.
A não ser quando nos interpela directamente, à janela.
Espanto-me. Um trono é o princípio do fim: ponto mais alto, já só se pode descer… quando não cair. Quem é a pessoa que não percebe isso? – não consigo evitar, é assim que raciocinam os medíocres. Mas ele não é isso, apesar de tudo, porque não tendo nada, sonha
Vem embrulhada em vestes pouco dignas, se isso se pode afirmar das únicas vestes que alguém possui. Aproxima-se de nós e curva-se ligeiramente. Por vezes – nos dias em que o sol massacra mais –, com um gesto que já foi elegante e refinado, retira um boné da cabeça e murmura algo, poupando nas palavras e no volume. Não admira: está-lhe vincado no rosto que poupa na vida há demasiado tempo e todos sabem ao que vem. Quer algo. Qualquer coisa. Pode mesmo ser “qualquer coisinha”, adivinho-lhe nos lábios, que ele não o chega nunca a dizer.
E agradece sempre, mesmo que não obtenha nada – o que sucede a maior parte das vezes. Curva-se de novo e, com gesto simétrico e inverso, cobre novamente a cabeça calva. Frequentemente, acena a quem já lá vai, na pressa de deixar a realidade para trás, à beira da estrada.
Todos sabemos que o trono não foi lá colocado, que foi erguido ao longo do tempo – de muito tempo –, um pouco de cada vez, na nossa desinteressada presença e, no entanto, ninguém se recorda de tais trabalhos.
Se dissesse que eu próprio não os vi, estaria a mentir: preferi antes não me lembrar deles, filtrados que me chegaram pela poeira acumulada nos vidros do meu invólucro. Agora que reparo nele, interrogo-me se serei o único.
Olho em redor, para os outros que, como eu, ali perdem bocados da vida, à espera de passagem. Em que pensam? Todos me parecem ter ar de manterem a primeira engatada, tal a pressa de sair dali. Uma buzina atrás de mim, protesta contra a minha imbecil inércia. Já o da frente avançou cinco metros e eu ainda não me mexi.
26 comentários:
Conheço o trono e o habitante. Sempre que vejo o ar de avô bondoso que o caracteriza, penso que seja feliz. A felicidade de quem não tem nada e como tal não espera, nem se desaponta quando o que espera não chega. A fila acaba aí.
;-)
Qd lá for vou reparar no trono.
Gostei de leer e verdee volta.
Bjs. SS
não conhecendo o sitio.. mas agora quedei curioso no trono e no seu proprietario...
abrazo
Happy Birthday to you...
Happy Birthday to you...
Happy Birthday...
Mr. President...
Happy Birthday...
To...
YOU!!!!
Love ya, mate!
com quantas histórias e personagens destas nos cruzamos no dia a dia, sem que o nosso habitual ritmo nos permita vê-las? Dá que pensar...
(is it your birthday?)
*
Hoje há que descansar. Pelo que preparei para mim a seguinte fórmula: termino as escritas, vou ao blog do Rui, vejo um episódio da série Jericoh (repara que estou a saltar a continuação do livro que tenho entre mãos, eheheh - atitude radical, esta!) e cama!
E não é que a minha receita anti-stress já começa a fazer efeito? :-)
É um belo trono, sim senhor! (a segunda das fotos dá-lhe até um ar de antiguidade clássica, lol)... Confortável, estratégico e pleno de sombra... Um luxo! Passo muitas vezes por aí e nunca o vira. À figura régia que se acerca dos comuns condutores disfarçado de pedinte, muito menos. Tudo isso, porque o faço sempre de noite, que é quando todos os gatos são pardos e os tronos desaparecem nas trevas, talvez para servir de adereço nos sonhos daqueles que querem chegar mais alto (que isto nos onirismos é tudo muito simbólico; Freud é que a sabia toda!).
Gostei desta metamorfose da observação em "história-de-fazer-parar-para-ver"; e desse construir palavrístico, pedra sobre pedra, engenhosamente elevando-se em interesse e fechando com latente sensibilidade.
Agora, se me dás licença, vou ali ver as gaivotas...
Um abraço fica! :-)
PS - Ah!... E roubando descaradamente a dica:
P A R A B É N S ! ! ! :-)))
Saúde, Afecto e Vontade!!! (Bem sei que um trono tem quatro pernas, mas eu cá sou muito trilófila, lol :-)
OLá. Venho deixar um abraço amigo. Até breve.
essa pessoa calva e cavalheiresca, que estende a mão num pedido e a recua vazia agradecendo, talvez nunca perceba se foi ele ou se foi o trono que caíu, ou se estão ambos meio caídos e (inevitavelmente) meio levantados...
Tens ali fotos muito bem apanhadas!
... não se podia dizer que tivesse muita prática de procurar gaivotas. Era mais o inverso: as gaivotas é que vinham ter com ele. Já a sua avó dizia que "gaivotas em terra sinal de mau tempo" e assim era de facto, pois aprendeu isso quando um belo dia de um cinzento inverno, ainda jovem, desceu ao Terreiro do Paço e uma gaivota grasnando assustadoramente, lhe fez uma tangente à cabeça. Logo a seguir e ainda não recomposto, sem aviso prévio, abateu-se sobre ele uma chuvada tão intensa a que só faltava os gatos e cães em proporções idênticas como dizem os exagerados ingleses. E é precisamente aqui que quero chegar: quem diz ingleses diz monarquia, quem diz monarquia diz rainha (ou rei), quem diz rainha (ou rei) diz trono. Pode não ser requintadamente estofado, não ter os símbolos ou armas da realeza. Encontra-se à saida do Eixo Norte-Sul para Telheiras (sentido S/N). É de pedra, mas o homem senta-se, cruza a perna, ajeita a coroa e com a mão que segura o ceptro acena com um gesto largo e real aos modestos condutores dos veículos que lhe passam pelos bigodes a caminho de mais um dia de trabalho. Depois de saudar, magnânimo, cerca de cem súbditos, abre o portátil e lê o blog "Malefícios da Felicidade". Só depois é que o trono fica vazio...
... o comment acima removido � meu. Repetiu-se o danado. Coisas mon�rquicas...
ah! e parab�ns fora do tempo mas que n�o deixam de ser parab�ns, segundo a dica de uma das tuas comentadoras.
Um belo texto, tal como todos os que tenho lido aqui (bem, à excepção do "Até Já").
E Parabéns!
Amanha tenho o meu ultimo exame. Depois prometo noticias do oriente!
bjs
Nunca reparei neste trono. Aliás nunca dou atenção a tronos...prefiro ficar sentada numa cadeira, cá em baixo. Exijo é que a cadeira seja confotável e à sombra.
Aproveito para agradecer a tua visita. Aqui em Lisboa, mais um subiu ao trono. Veremos o que faz ao pedinte que dele se aproxima...
o trono à sombra tem hoje dono?
abrazo europeo
Duplamente parabéns. :)
Beijinhos
Bem... Depois de "legido" um comentário italicamente louco, tenho que confessar que não sabia que as gaivotas grasnavam (o raio do meu prontuário, que é assim uma espécie de bíblia ou manual dos escuteiros-mirins da BD, não inclui tal ave) e desconhecia também que o local em apreço era um ponto wi-fi. Compreende-se, que quem possa ter direito a um em horário nobre, se sinta um rei, lá isso é. Não estranhem, pois, se um dia destes me virem por lá também, feita princesa à força, tomando o trono de empréstimo e dividindo o privilégio da leitura do "Felícios da Malecidade" [ei, ei... Juizinho, s.f.f.!...].
Abraço.
e eu que nem sabia que tinhamos um trono!! hajam olhos argutos e uma escrita perspicaz que nos indique!
Continuas a escrever muito bem. Por vezes chego a invejar esse trono que j� ocupas.
Tou de volta, mais relaxadinhaaaaaa! ;)
bjs
"Benefícios da Infelicidade" - É o título do blog do rei-de-beira-de-estrada que vai cantarolando "E o Trono aqui tão perto..."
Beijinho, Rui.
era um rei tão distraido
que se sentou num cadeirão;
deu o beija-mão despido
a todos concedeu perdão.
entre eles havia um bandido
que lhe queria ficar c´o reino
no trono tinha o sentido
só lhe faltava era... treino.
foi treinar p´rá academia
veio de lá com o grão na asa
quando reinava gemia
só sei que não fico em casa...
... para ver cenas destas.
... por isso vou de férias. Era bom quando chegasse já o campeonato tivesse acabado... mas não tenho esa sorte. faltava-me escrever isto...
Tem umas férias valentes, sff!
Eu sigo para a semana, mas não me queria esquecer de me despedir! :-)))
Contando que haja benefícios num grande abraço, aqui deixo um maior que os outros - que é para dar para as férias; por isso não gastes tudo de uma vez! :-)
PS - E eu sei porque não fico em casa, lol. Porque não tem mar nem serra nem lagoas nem gentes outras...! E também sei que volto! :-) Quer dizer, pelo menos estou a contar com isso! :-P
See ya!!! * * * * *
Túmulos... de quatro rodas.
Abraço.
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