Na origem do topónimo Espinhosela está a palavra latina Spirum, que significa Espinho, derivando depois para Espinhosela. Diversos achados arqueológicos colocam a sua origem em épocas muito recuadas, por alturas da idade do ferro.
Hoje em dia, a aldeia não tem 300 habitantes, continuando a viver, a maioria deles, da agricultura, em especial da produção de castanha.
Não são muitas as habitações, a maioria espalhadas ao longo da estrada principal e rodeadas de campos cultivados, que as chuvas de início de primavera tornaram particularmente verdes.
Trinta anos depois, pouco parecia ter mudado em relação à memória que ela guardava do local e que me tinha descrito há duas semanas atrás, bem longe dali.
A conversa que tinha tido com ela não me saíra da cabeça. Nada lhe disse, mas tinha decidido procurar a sua mãe. Agora, ali, questionava mais uma vez o direito que eu, um estranho, tinha de interferir na vida destas duas pessoas. Afinal, aquela mulher apenas tinha desabafado comigo, nada me pedira.
Ou teria pedido, ainda que por outras palavras? Não alimentaria ela a esperança de que eu fizesse alguma coisa quando me contou a mágoa que tinha por se ter afastado da mãe, a única pessoa em toda a sua vida por quem tinha conseguido sentir amor?
Entreabriu a porta desconfiada; o olhar era muito vivo e penetrante para alguém já com setenta anos. Mirou-me de alto a baixo antes de aceitar falar comigo.
- Queria falar consigo… sobre a sua filha.
- O que tem a minha Arminda? – Havia ansiedade no seu rosto.
- Não se preocupe, ela está bem. É que eu conhecia há pouco tempo.
- Esteve com a minha menina?
A velhota escutou-me em silêncio, nunca me interrompendo. Apenas quando terminei me dirigiu a palavra.
- Vossemecê tem que me desculpar, nem lhe ofereci nada para comer ou beber. Tenho aqui um salpicão como nunca provou.
- Não se incomode, eu estou bem. Aceito é um copo de água.
- Sabe, naquela altura, quando ela saiu de casa, ouvi muitas histórias… que ela não estava no Porto, que tinha ido para Espanha, para uma casa onde… como é que eu lhe explico?
No seu íntimo, disse-me, sentia que os boatos podiam verdadeiros; sabia que havia muita gente ruim no mundo capaz de se aproveitar da ingenuidade e inocência da filha.
Recordava a intensidade do olhar de Arminda quando, no café, reconheceu o velhote. Uma intensidade que eu nunca vira antes, era como se, subitamente, dois faróis se tivessem acendido. Mas, ao mesmo tempo… onde é que eu já tinha visto essa mesma intensidade?
- Desculpe, não percebi.
- Perguntei-lhe se quer ver uma fotografia do pai da minha menina.
A minha fervilhava. Conseguia disfarçar mal alguma excitação. A história daquelas pessoas revelava-se mais complexa do que parecia.
Desembrulhei cuidadosamente a foto. Dava ideia de não ser mexida há muito tempo.
Um quadrado de papel amarelecido apareceu, nele, umas letras azuis de carimbo, já muito sumidas, mas que ainda permitiam ler: Foto Matos – Chaves.
O rosto era o de um jovem muito bem parecido. O olhar, eu já o tinha visto. Naquele momento eu soube: era o olhar do velhote quando, em Amesterdão, reconheceu a mulher que gritava para ele, o homem que tinha comprado Arminda e que a tinha iniciado na prostituição. O pai dela.
O empregado do café, tinha-nos contado que o velhote era visita habitual há uns anos, que vinha várias vezes buscar algumas sobras de comida. Certa vez tinha-lhe contado que era perseguido no seu país: um negócio de importação que tinha corrido mal e que, como era na Holanda que se abastecia – um país que conhecia bem -, tinha-se mudado para lá com o pouco dinheiro que tinha conseguido salvar.
- Que foi homem, parece que viu um fantasma, vossemecê está branco.
- Ah… não, não é nada… mais alguma vez soube dele?
- Uns anos depois o meu irmão voltou a vê-lo em Chaves, num grande carro. Parecia que a vida lhe corria bem. Mas foi só isso.
Pedi desculpa, que já estava atrasado para um compromisso urgente, disse que voltava no dia seguinte e saí.
Francelina ainda me perguntou o que tinha eu lá ido fazer, mas eu não lhe respondi. Naquele momento, não tinha resposta para lhe dar, também eu não sabia.
Não consigo deixar de pensar nos caprichos da vida: naquilo em que se tornam os sonhos de uma miúda que era maior que o local onde nascera e crescera e em como fizeram de mim o elo de ligação entre a vida dela, da mãe e do pai. Está nas minhas mãos o fio condutor que pode fazer com que cada um saiba do outro.
Seria mais fácil se se tratasse simplesmente de reunir uma família que o tempo tinha separado. Era bem mais complicado que isso, havia muito mais em jogo.
É um direito que eu tenho, ou um dever? O que faço eu com aquilo que sei?
Não quis nada disto mas, ao procurar Francelina, acabei por me envolver. Agora não posso fingir que não é comigo.
Não sei o que faça, sei apenas que não tenho muito tempo para decidir.
Fim.
28 comentários:
E pronto Rui, ja me fizeste chorar.... e logo hoje....
bem que desconfiei que o pai ia aparecer nesta historia. que historia Rui, que triste, que vida.....
desculpa hoje n dá pra mais...
bjs
E que tal contar ao pai? Merecia-a acabar a vida com um peso desses.
Gostei muito, mesmo.
Um abraço Rui.
Fim?! Como fim?! Não me digas que não vais continuar a história :-(
Espero que voltes atrás...
Bjnhs
Mas o que é que o pai estava a fazer em Amesterdão?
Nã, nã, isto não pode acabar aqui! Então e uma certa coisa no chão?
não sei porque mas ja estava a espera que o pai fosse o homem do carro grande.
Muito bom, porque que não continua?
=)
Rui, tanto que a Arminda ja olhou e eu há uma semana que não te leio :( mas a vida é mesmo assim, há momentos em que as palavras são para se dizerem e não para se escreverem...
Volto uma destas noites, para te ler...até lá aqui fica um beijo meu!
A Zeni tem razão, faltava ali um parágrafo em que era dada uma explicação para a presença do velho em Amesterdão.
Algures entre copy/paste perdeu-se o texto - nem vocês calculam como eu funciono.
Enfim, texto perdido, fiz ali um enxerto à pressa o mais próximo que me lembrei do original.
Rui,
Gostei muito da história! Custa ver agora o Fim porque gostava de saber o que ele vai fazer. Mas faz sentido que termine assim!
Parabéns!!
Esclarecida!!
"negócio de importação" que correu mal e foi perseguido? Abastecia-se na Holanda? Droga??
É coerente com o perfil dele...
Li tudo... tal como disse que faria. Estou encantada mas melancólica. Adorei a tua escrita. Os meus sinceros parabéns...
Beijo
como sempre, uma valente surpresa no final... o pai dela?!!!... e a decisão final, a que não foi tomada, não é fácil de tomar, não!... merece outro conto...
Gostei, Rui!
Gostei da historia sem cor-de-rosa.
Gostei de te ver partir por esse mundo fora, no olhar da Arminda e te ver terminar com o olhar vazio, num tecto...
Triste, mas real.
Parabéns!
Adorei.
Tudo.
Mesmo.
Fez sorrir,emocionou, arrepiou.
Continua. Por favor.
liiiiiiiiiiiindo! Rui, altamente. mts parabéns mesmo! bjs
ai que triste...
escreves bem, gostei do que li :)
Adorei!... até fiquei sem palavras.
Bjs. Jaqui.
e quantas maldades dessas não há na vida real!!? realmente, às vezes parece que os humanos não deviam existir....!!!!
Rui...
excelente, excelente...
E agora as tuas responsabilidades aumentaram...
cumprimentos monárquicos
como me prendeste até ao fim, viajando e tentando imaginar sentimentos tão difíceis e muito bem descrito
excelente o que li
parabéns Rui, adorei acompanhar-te neste desenrolar de episódios onde a Arminda foi a “atriz” principal de uma "novela" real
beijinhos para ti, vou esperar por outra história
lena
E porque não continuas?
Olá Rui,
Passei finalmente por aqui.. e estou a ver que tenho muito para ler :)
Beijinhos
Ah! partilho contigo o gosto (o meu é gigantesco!) por antony and the johnsons!!! :)
Finalmente li!
Que estória tão bem contada, tão pormenorizada e tão bem escrita!!!
Estou ainda emocionada, tocas nos pontos nevrálgicos como ninguém.
Hoje não consigo dizer mais nada, apenas que vou imprimir e fazer um livrinho, só queria que depois o assinasses.
Beijinhos
e uma boa noite
Já temos saudades de te ler...
Cansado? Ou a Arminda ainda anda por aí? às vezes temos que nos despir delas e deles...
Um beijo e fico à espera :)
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