segunda-feira, setembro 25, 2006

A Luz (parte 1)

Abriu o postigo. Precisava deixar entrar alguma da luz daquela tarde e um pouco de ar fresco.
Sentiu uma ligeira brisa passar-lhe pelo rosto, agitando-lhe os ralos e escassos cabelos brancos. Fechou os olhos e inspirou mais prolongadamente que o habitual. Há já algum tempo que não se lembrava de que ainda estava vivo.
Regressou ao velho e coçado sofá, apoiado no cajado. Sim, estava melhor assim, pensou. Era desta maneira que passava grande parte dos dias, sentado, a bater com a ponta do cajado nos gastos sapatos de camurça, os únicos que possuía, a olhar as coisas que havia na sua sala de estar.

Perdeu a noção do tempo, talvez tivesse dormitado. Ultimamente, acontecia-lhe isto com frequência. Subitamente, como que acordava, sem consciência do que estava a fazer e há quanto tempo estava ali – curiosamente, sabia sempre onde estava, apenas perdendo a noção do tempo.
Sabia que estava em casa, uma velha habitação de piso térreo na zona antiga de Carnide. Uma resistente do antigamente, de um tempo em que Carnide era campo, longe da cidade propriamente dita. Nos últimos quarenta anos, tudo tinha mudado, primeiro aos poucos, mais recentemente com grande rapidez e hoje, aquele amontoado de casas velhas, era quase uma aberração aos olhos de muita gente. Uma aldeia antiga dentro da cidade.

Por vezes, no ameno dos finais das tardes de verão, sentado no degrau da porta, pensava no quão estranho era aquele sítio se ter enchido de restaurantes e de pessoas que os procuravam. Fazia-o observando o vai e vem dessas mesmas pessoas, que lhe pareciam sempre mais preocupadas em encher depressa a barriga do que em apreciar a refeição. Ainda na noite passada, ao ver o grupo de pessoas que se juntou à porta do restaurante que ficava perto de sua casa, tinha estado a pensar em como a vida era cheia dessas coisas que não se percebem lá muito bem.
Entretinha-se a ver as pessoas, a adivinhar-lhes a vida pelas roupas, pelos gestos e pela maneira como falavam. Com a sua idade, achava que conseguia perceber a sinceridade das pessoas à distância, mesmo sem perceber o que diziam umas às outras. Espantava-se com a quantidade de vezes que lhe parecia que alguém dizia uma coisa em que não acreditava.
Ao grupo da noite passada achou piada, pareceu-lhe diferente. Não detectou neles nada dessas coisas que seriam, também, coisas destes tempos de agora, como costumava dizer para com os seus botões. Pareceram-lhe todos um pouco atrapalhados, como se não conhecessem uns aos outros – coisa que, no entanto, não os impedia de estar bastante bem dispostos. Apresentações feitas, cumprimentos trocados, lá foram eles, à procura do tacho. Quando saíram, quase três horas mais tarde, ainda ele lá estava, empurrando uma pequena pedra com o cajado, esperando o sono.
Achou que se tinha enganado, o grupo vinha em tal euforia que, afinal, só se podiam conhecer há muito tempo. Havia ali uma relação forjada num outro tempo, de uma outra maneira, não podiam ter-se conhecido ali, à porta do restaurante. Deixaram-lhe saudades quando se afastaram.

Um súbito arrepio nas costas arrancou-o à memória da noite passada - talvez tivesse estado a sonhar. Levantou-se a custo para ir fechar o postigo, não se podia dar ao luxo de se constipar. Ainda na véspera a senhora da padaria o tinha lembrado de que podia ser vacinado contra a gripe mas, com a reforma que tinha, como é que iria comprar a vacina? O dinheiro estava todo contado e não havia margem para essas coisas.
Lançou um último olhar pelas coisas da sua pequena sala. Aquela luz, ainda que filtrada por uma ténue nuvem, dava vida a todos os objectos que lá estavam, algo que a luz artificial não conseguia fazer. Estava a saber-lhe bem estar ali, a olhar para a decoração que um dia a sua mulher tinha escolhido para trazer alguma vida aquele espaço. Permitia-lhe recordá-la. Mas agora tinha mesmo é que fechar o postigo, eram um perigo as correntes de ar.
Ao aproximar-se da porta, deteve-se. Trazido pela brisa, um cheiro doce invadiu-o. Que era aquilo? Lembrava-lhe algo. Se ao menos pudesse confiar na sua cabeça… Dos restaurantes não podia vir, aquela hora estavam todos fechados.

Saiu. No meio da rua, concentrou-se e esperou. Sim, era isso: farturas!


sábado, setembro 02, 2006

Ausência

Eu sei que ainda há pouco tempo regressei de férias, mas já estou de partida para novo período de ausência. Não é por querer, é porque tem que ser assim.
Desta vez os banhos são de mar e a sul. São só duas semanas, passam depressa.

Mas não vou sem deixar uma história, apenas desta vez não é contada em letras seguidas, desta vez é em imagens.

Encontram-na aqui

Até já.